O goleiro Hugo Souza, conhecido no Ninho do Urubu como Neneca, caiu nas graças da torcida do Flamengo depois de apenas dois jogos como titular. Com apenas 21 anos, ele teve grandes atuações e foi escolhido o melhor em campo contra o Palmeiras.
Mas o caminho até o profissional não foi fácil, Hugo teve uma infância difícil e teve que contar com um esforço em conjunto com a família para atingir o objetivo de ser jogador de futebol profissional.
— Eu estou realizando meu sonho agora de jogar pelo Flamengo, chegar ao profissional, jogar uma Libertadores e um Brasileiro. Sempre foi um sonho de menino, sou Flamenguista desde pequeno, a minha família é Flamenguista, fico muito feliz e creio que seja só o começo desse sonho – disse em entrevista ao Esporte Espetacular.
A estreia não passou despercebida para o treinador de goleiros da seleção brasileira, Taffarel. Hugo recebeu uma ligação com elogios. Mesmo antes de iniciar sua trajetória no profissional do Flamengo ele já havia sido convocado por Tite para a seleção principal.
— Depois do jogo recebi uma ligação do Taffarel, tive a oportunidade de trabalhar com ele na Seleção. Me deu os parabéns pela partida, pela postura, ficou muito feliz, disse que nem parecia que eu estava estreando, parecia que eu jogava já há tempos. Na hora eu não sabia nem o que falar, fiquei muito feliz.
Início da carreira difícil
Hugo começou em busca desse sonho de ser jogador muito cedo. Primeiro foi no Vasco. Seus pais o levavam para treinar, mas nem sempre a sua família tinha dinheiro de passagem para ir e voltar do treino. Além disso, em diversas vezes o goleiro não tinha condições de receber uma alimentação adequada e só conseguia se alimentar bem no clube.
— A gente passou por muita coisa, a falta dos recursos era grande, mas a gente teve peito para encarar tudo isso. A minha mãe me levava para o treino quando meu pai não podia, depois de um tempo passei a ir sozinho, às vezes já tive que pedir dinheiro no ponto de ônibus para chegar em casa, já vi pessoas se afastarem de mim por acharem que eu estava chegando perto para fazer uma maldade e eu só estava precisando de R$ 1 para chegar em casa. É uma história de superação onde a gente passou por cima de tudo isso, onde meu pai e minha mãe nunca me deixaram desistir. Não é vergonha dizer que passei um pouco de fome, não é vergonha dizer que eu não tinha dinheiro, isso serve de inspiração para outras pessoas também.
Luta contra o racismo
O racismo é muito presente em nossa sociedade e no futebol não é diferente, só que o Hugo teve que lidar com este problema muito cedo. Pelo sub-20, durante um jogo contra o Vasco, em 2019, o goleiro relatou ter sido vítima. Esse episódio e a educação que recebeu dos seus pais fizeram com que Hugo entendesse o seu papel na sociedade e a luta constante que teria que enfrentar.
— A pessoa que faz esse ato se coloca de uma forma muito pequena, porque se eu sou humano como ela, porque o tom da minha pele me torna menor que ela? Isso não existe, não tem que existir, o fato de eu ser negro não me torna melhor ou pior que alguém, eu sou igual a essas pessoas. Em alguns casos quando acontece a gente é ironizado, a gente é tratado como mentiroso, falam que tudo levamos para esse lado, não é, porque infelizmente a sociedade se acostumou com uma coisa que é totalmente errada e isso não pode mais acontecer. As punições devem ser severas, porque eu não posso ser julgado, não posso ser humilhado, não posso ser maltratado pelo tom da minha pele.
Frieza nas horas decisivas
Sentir nervosismo nas primeiras partidas como profissional é normal em todo jogador jovem, mas a frieza de Hugo para lidar com as diferentes situações do jogo foi algo determinante para o bom desempenho. O goleiro demonstrou calma tanto para realizar defesas difíceis como para sair jogando com os pés, mesmo com a pressão do time adversário. Para Hugo a frieza vem de família.
— Ficar sereno é uma coisa que eu trouxe do meu pai, sou um cara muito tranquilo, tento fazer com que as coisas não me afetem para eu poder trabalhar, quando eu entro em campo tenho a capacidade de esquecer tudo. Eu só penso na bola, em não tomar gol, em fazer o meu trabalho e dar o meu melhor. Antes dos jogos eu prefiro ficar escutando o meu louvor, coloco um vídeo da minha irmã cantando e tento esquecer tudo de fora, focar somente no jogo.
Sucesso logo nos primeiros jogos
Por conta da pandemia, o grande termômetro da torcida é medido pelas redes sociais. Os torcedores colocaram o nome do Hugo nos assuntos mais comentados durantes os jogos. Apesar da fama, ele permanece com os pés no chão e entende que o sucesso só continua com bons resultados.
— A fama é algo que vem natural, eu não lutei a minha vida toda pela fama, eu lutei para conquistar o meu sonho, só que eu sabia que conquistando o meu sonho viria a fama, viria o sucesso, viria o assédio das pessoas. Mas eu trabalhei a minha cabeça porque eu tenho uma mãe que sempre foi muito chata com isso, meu pai também, colocaram na minha cabeça que eu sempre precisava ser a mesma pessoa independente dos meus status, da minha fama e isso é bom porque a fama nada mais é que um trabalho sendo reconhecido.
Então eu fico feliz por isso, porque eu só estou fazendo o meu trabalho, em dois jogos eu estabeleci um nível, então a partir de agora a torcida do Flamengo e todo mundo que me vê jogar vai esperar esse nível de mim. Preciso sair daqui para cima sempre, porque o dia que eu fizer daqui para baixo isso tudo pode mudar.
Retirado de: Globo Esporte