A decisão do STJD em favor do Flamengo para ter a volta do público no Brasileiro provocou uma reação forte de outros clubes e da CBF. A alegação é de que a determinação contraria uma combinação feita pelos times da Série A de não ter torcida. Mas como foi este acordo e como é a regra sobre o retorno de público em meio à pandemia de coronavírus?
Após um Brasileiro sem público, os clubes se reuniram em março no Conselho Técnico, que define as regras da competição. Na ocasião, foi decidido que não haveria volta de torcida no campeonato. Isso poderia ser mudado em novo encontro dos times.
O regulamento do Brasileiro diz em seu artigo 31: “os clubes disputantes deverão cumprir integralmente a Diretriz Técnica Operacional e o Guia Médico, itens integrantes deste regulamento, bem como todas as atualizações dos documentos supracitados.”
Esse guia médico em sua versão atual afirma: “Todas as partidas serão realizadas sem a presença de público, até eventual alteração formal desta condição pela CBF.” Ou seja, pelas regras, de fato não deveria haver público.
Mas o Flamengo não reconhece a CBF ou o Conselho Técnico com poderes para determinar se haverá ou não público:
— Não houve discussão sobre esse tema que o Flamengo tenha concordado. Não tem isso no regulamento. Não houve esse debate na reunião do conselho técnico e como você mesmo disse essa questão não consta do regulamento, mas de um protocolo médico do Pagura (não vale), diz o vice-presidente Jurídico do Flamengo, Rodrigo Dunshee de Abranches (veja posição completa abaixo).
Por isso, o clube recorreu ao STJD com um pedido similar ao obtido pelo Cruzeiro na Série B: ter público dentro das restrições sanitárias da CBF. A “Rádio Itatiaia” noticiou que o Atlético-MG também pretendia obter medida igual no tribunal.
O presidente do STJD, Otávio Noronha deu a decisão em favor do Flamengo alegando que autoridades sanitárias já liberaram público restrito no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e no Distrito Federal. E apontou que a CBF não fez reunião para alterar suas diretrizes médicas.
— Não cabe em princípio, à Entidade de Administração do Desporto, se imiscuir e negar vigência à execução do conjunto de medidas adotadas pelo Estado, para a retomada gradual das atividades – inclusive com reflexos na economia – por lhe faltar, além de competência, o adequado respaldo técnico e a legitimidade atribuída aos governantes democraticamente eleitos, diz o juiz. A CBF recorreu apontando o regulamento.
No meio tempo, os cinco clubes de São Paulo, Red Bull, Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos – defenderam que a volta de público só ocorra quando houver nova reunião da CBF e com isonomia para todos. O Estado de São Paulo só prevê público em estádio em novembro. Internacional e Grêmio adotaram posturas iguais.
Dois dirigentes de clubes que estiveram no Conselho dizem que ficou combinado a volta só quando todos pudessem ter público. Mas não é isso que está escrito na ata do encontro: a versão oficial é de que foi determinado que não haveria torcida e que, para mudar isso, teria de haver nova reunião.
Não está claro, portanto, que só voltaria o público se todos os Estados liberassem. Ainda não foi marcada novo encontro, mas os clubes já têm essa expectativa. E a votação certamente vai depender de quantos Estados e municípios terão liberado o público.
A discussão sobre isonomia, levantada pelos clubes, é abordada pelo Flamengo também: o clube lembra que teve desfalques durante várias rodadas do Brasileiro por ceder jogadores à seleção, em medida que provoca desequilíbrio técnico. Na ocasião, só Flamengo e Palmeiras, que tinham mais jogadores na Copa América, se manifestaram pedindo a paralisação do campeonato. Veja a posição do vice do Flamengo e abaixo a da CBF:
— O Clube não teve acesso (ao recurso da CBF), mas, a ser verdade, vai pedir para se manifestar. Não houve discussão sobre esse tema que o Flamengo tenha concordado. Não tem isso no regulamento. Não houve esse debate na reunião do conselho técnico e como você mesmo disse essa questão não consta do regulamento, mas de um protocolo médico do Pagura (não vale). Com todo respeito que merecem os administradores da CBF, a questão sanitária compete às autoridades públicas da cidade. O STF decidiu isso há séculos.
— Nunca vi ninguém preocupado com equilibro no Brasil quando se falava dos jogadores do Flamengo a serviço da seleção, perdemos vários pontos e não vi federação ou clube se coçar. Não reconheço esse desequilíbrio porque são 11 contra 11 titulares. Desequilíbrio é jogar com os reservas contra os titulares.
— Todas as atividades voltaram e é preciso retornar com o público gradualmente. Os clubes precisam de suas torcidas. Não concordamos que esta questão seja da competência da CBF. Entendemos que é uma ingerência na livre iniciativa, sem fundamento legal. A questão sanitária é muito relevante e respeitamos as autoridades públicas, segundo o que determina a lei.
Abaixo a nota da CBF:
A respeito da liberação de público autorizada, em caráter liminar, pelo STJD do Futebol nas partidas de mando do Clube de Regatas do Flamengo no Campeonato Brasileiro da Série A 2021, a CBF esclarece que:
O pedido do C.R. Flamengo e a decisão proferida contrariam deliberação tomada pelos Clubes em reunião do Conselho Técnico da Série A, ocorrida em 24 de março de 2021 que, dentre outras questões, vedou a presença de público nos estádios até nova apreciação do assunto pelos Clubes. Tal vedação é objeto de Diretriz Técnica que integra expressamente o Regulamento Especifico da Competição.
Resolveram os Clubes, também, que nova apreciação da matéria somente ocorreria com a melhora dos índices epidemiológicos nas cidades-sede dos clubes participantes e desde que aprovado pelas autoridades sanitárias locais, em quantidade que garantisse a manutenção do equilíbrio técnico da competição.
Desde a temporada 2020, a Comissão Médica Especial da CBF implementou e vem aperfeiçoando continuamente seu protocolo sanitário para garantir a segurança de todos os envolvidos nas partidas de futebol.
A partir da melhora dos índices da pandemia e da liberação de várias atividades nos municípios, referida Comissão desenvolveu protocolo específico para o retorno do público aos estádios, com projeto piloto a ser implantado a partir das quartas de final da Copa do Brasil, conforme amplamente divulgado pela imprensa, sempre zelando e priorizando a proteção à saúde da população. Qualquer partida realizada com público em desconformidade com tal planejamento inspira grande preocupação.
A CBF apresentará os esclarecimentos necessários ao STJD do Futebol e confia que o Pleno do Tribunal garantirá a manutenção do equilíbrio técnico da competição e a segurança dos torcedores.
Retirado de: Blog do Rodrigo Mattos