Francisco Moraes, 81, já rodou o mundo, mas passou longe dos roteiros turísticos mais tradicionais. As viagens sempre tiveram um objetivo muito claro: acompanhar os jogos do Flamengo. Porém, por pouco, neste diário de bordo com incontáveis quilômetros percorridos não ficou faltando um importante capítulo. Famoso rubro-negro de arquibancada, ele não conseguiu ingresso para a final da Libertadores, em Montevidéu, mas contou com a mobilização de alguns torcedores em redes sociais e vai para a terceira decisão continental. E avisa: quer buscar o tri.
Entre tantas caminhadas, a capital do Uruguai não chega a ser um destino novo. Muito menos quando se trata de final do torneio continental. Moraes foi testemunha ocular do primeiro título do Fla na competição, em 1981, contra o Cobreloa, do Chile. À época, o regulamento do torneio era outro e, depois dos duelos no Maracanã e Estádio Nacional, com uma vitória para cada lado, houve um jogo desempate em campo neutro e o duelo calhou de ser no Centenário, palco do confronto com o Palmeiras.
— Acompanho o Flamengo desde 1967. Tenho 80%, 90% dos jogos do Flamengo. Na Libertadores, acho que perdi quatro jogos de 81 até agora. Em 1981 era muito mais fácil, não tinha essa tecnologia que tem hoje. Para ir a Montevidéu foi um parto. Houve uma mobilização nas redes sociais para eu conseguir comprar o ingresso. Comprar, pois não aceito coisa alguma de graça do Flamengo e nem de ninguém. Houve essa movimentação e conseguiram que eu comprasse esse bendito ingresso, e estarei em minha terceira final de Libertadores, disse ao UOL Esporte.
A lamentação por não ter tido sucesso na busca por entrada foi feita no site em que conta suas aventuras atrás do Rubro-Negro, e logo repercutiu. Moraes cita que a movimentação dos companheiros foi também um gesto de gratidão.
— Eu tenho uma vida de Flamengo. Eu tenho um site, por onde o pessoal que viaja me acompanha. Publiquei lá que não tinha conseguido ingresso. A mobilização foi por quê? Eu sempre corri atrás de ingresso para o pessoal ir. Quando vai para Oruro [Bolívia], vão 10, 12 pessoas, quem carrega sou eu. Quando vai para a Cidade do México [México], Potosi [Bolívia], sou eu quem mobilizo. Eles, agora, viram que eu estava sem, se mobilizaram e conseguiram que eu comprasse, aponta.
Um dos idealizados da movimentação por ingresso por Moraes foi Luis Eduardo Aragão, que ressalta o valor do torcedor símbolo para diversos rubro-negros.
— A importância do Moraes neste cenário de ingresso para quem vai viajar é muito importante. É, sem dúvida alguma, quem mais viajou para ver jogo do Flamengo. E antigamente não existia essa facilidade, que começou com ele enchendo muito o saco, de os visitantes poderem comprar antes. Tinha de ir ao local, para a porta do estádio, e comprar na bilheteria. Era o Moraes que sempre ia à bilheteria. É um cara que sempre lutou pela torcida do Flamengo sem nada em troca.
“E quando esse cara está sem ingresso, frustra um pouco porque ele sempre deu a cara à tapa. É aquela famosa frase, se a torcida é o maior patrimônio do Flamengo, o Moraes é o maior patrimônio do maior patrimônio do Flamengo”, salientou.
Alcançar o topo do pódio na competição sul-americana é o grande objetivo do Flamengo. Moraes se mostra otimista pelo título, mas admite que o sentimento será diferente do de dois anos atrás, em Lima, no Peru.
— Você não tem ideia do que é uma final de Libertadores. Em 81, quando ganhamos, achava que ganharíamos três, quatro anos seguidos e não aconteceu. Virou obsessão e essa obsessão morreu em 2019. Ganhamos em Lima. Agora, é uma final de Libertadores? É, mas não é aquela obsessão que eu tinha como tinha em 2019. Vamos lá e vamos ganhar. O Palmeiras hoje é o favorito, mas vamos lá. Decisão não se joga, decisão se ganha. Nós vamos lá e vamos ganhar, afirmou.
Toda esta caminhada ao lado do clube de coração também teve um custo e Moraes garante ter sido superior a 1 milhão de dólares. Com anos de arquibancada mundo afora, ele critica a final única e os valores cobrados.
— A Conmebol quer imitar o sistema europeu, mas esqueceu que a Europa cabe no Estado de São Paulo, de Minas. Lá tem estrutura, tem estrada, tem o trem. Vocês estão vendo o sufoco que está sendo para entrar em Montevidéu, viram o sufoco que foi em Lima? Estava dando tão certo com uma partida lá e outra aqui. Qual o problema disso? Querem copiar a Europa, mas é outro mundo. A Conmebol está errada.
— Ninguém vai gastar menos de 10 [mil] ‘conto’. Pessoal que vai de ônibus, nas caravanas, talvez vá gastar R$ 2 mil, que é dinheiro para burro, são dois salários mínimos e meio. A maioria desse pessoal que vai de ônibus vai gastar cerca de R$ 2.500 e vai demorar dez anos para pagar isso. Mas é paixão, emoção. Quando se fala em paixão, não se pensa, é o coração que manda.
Celebridade na torcida
Moraes é figura carimbada nos jogos do Flamengo e recebe o carinho dos torcedores do Rubro-Negro. Ele admite que é um reconhecimento pela dedicação às cores do clube da Gávea, mas avisa: enquanto a bola estiver rolando, a atenção está no campo.
— Na hora do jogo do Flamengo é meu momento. Chega meia hora antes, tiro 300 fotos. Após o jogo, mil fotos, mas na hora do jogo, não fala comigo. É um reconhecimento que sei que eles têm por mim, agradeço muito. São 50 anos de Flamengo. Mas no momento do jogo, estou com atenção no Flamengo.
Zico é o maior ídolo do Flamengo e Moraes acompanhou a carreira do Galinho de perto. Ele assegura que ele e Kleber Leite, ex-presidente do Rubro-Negro, foram os que mais viram os jogos do camisa 10, entre atuações pelo time da Gávea e pela seleção brasileira.
— Tenho 12 Copas do Mundo seguidas, Eliminatórias de 1967 até 2006. Ninguém atravessou tantos oceanos para ver jogo como eu, ninguém acompanhou tantos jogos do Flamengo como eu. Nunca perdi um jogo oficial do Zico em lugar nenhum do mundo, isso é provado. Só tem um cara que viu mais jogo do Zico que eu: o Kleber Leite, que foi presidente e era repórter de rádio. Oficial, não perdi nenhum e ele sabe disso, mas ele pode ter visto o Zico jogar um amistoso que não valia nada e eu não fui. Mas jogo oficial do Zico na seleção e no Flamengo, somos eu e Kleber Leite.
Retirado de: UOL