A demissão do gerente de futebol Paulo Pelaipe é apenas a ponta de um iceberg que assombra há tempos os bastidores do Flamengo: a disputa interna entre Marcos Braz, vice de futebol, e Luiz Eduardo Baptista, o Bap, vice de relações externas do Rubro-Negro. O clima hostil já havia sido noticiado por Mauro Cezar Pereira.
A queda do dirigente teve a interferência direta de Bap e atinge diretamente o homem do futebol, que tinha no gaúcho Pelaipe um aliado de primeira hora no cotidiano do Ninho do Urubu. Ao vencer a guerra de braço, Baptista demonstra força e atinge em cheio o “adversário”, que viu sua decisão de renovar o contrato do gerente ser ignorada.
“Trairagem” e “facada pelas costas” foram alguns dos termos utilizados por integrantes da diretoria do Flamengo para comentar o caso, que desagradou a boa parte da cúpula da Gávea e a quase todos no Ninho do Urubu.
As desavenças não são de hoje e apenas evidenciam o antagonismo de duas das mais importantes figuras dos bastidores da Gávea. Fortalecido pelos títulos e pelo sucesso nas contratações, Braz ganhou ainda mais musculatura na política rubro-negra. A queda do parceiro é uma tentativa de esvaziar um potencial candidato ao pleito presidencial de 2021.
Braz jura não querer a cadeira que hoje pertence ao presidente Rodolfo Landim, mas sabe que as vitórias em campo o tornam um nome natural. Ainda que não fale abertamente sobre o assunto, Bap, um dos principais articuladores da eleição de Landim, também é um nome que desponta de forma espontânea no páreo.
A aliança dos hoje antagonistas foi movida pura e simplesmente pelo desejo de tirar o grupo de Eduardo Bandeira de Mello do poder, já que Braz carrega consigo votos. Sua presença na mais importante vice-presidência era vista como um “mal necessário”, mas nunca foi exatamente digerida por pessoas influentes na gestão. Além de Bap, é claro, Gustavo Oliveira (vice de marketing e comunicação) é outro que sempre caminhou em outra direção.
“Nunca tive a pretensão de estar em um cargo maior, de disputar um cargo maior. Sempre gostei de ser vice-presidente. E quando se está em um cargo igual ao meu, de responsabilidade igual a minha, quanto mais gente para ajudar, melhor. Mesmo que pense diferente de você em alguns momentos. O mais importante é o objetivo e tenho certeza absoluta que o Bap tem os mesmo objetivos que eu”, disse Braz ao UOL Esporte, em entrevista concedida dias antes da final do Mundial de Clubes.
A convivência nunca foi das mais afetuosas, mas se deteriorou ao longo do tempo. Chamado por alguns de “primeiro-ministro” (de forma debochada), Bap tem voz nas decisões do futebol. É dele, por exemplo, a criação de um conselho que define os rumos do futebol. O “conselhinho” é formado por Bap, Braz, e Dekko Roisman, Diogo Lemos e Fábio Palmer. Estes últimos três são integrantes de grupos políticos que apoiaram a chapa vencedora.
“O que posso te falar é o seguinte: o mundo mudou e o Flamengo mudou também. Os números mudaram. Então, quanto mais gente tiver para dividir a responsabilidade de certos temas, é bom. Isso existe nas empresas. Não vejo isso como um problema”, afirmou ele.
O técnico Abel Braga foi responsável por colocar a dupla em lados opostos do “ringue”. Insatisfeito com o treinador, Braz foi o principal cacique a apoiar a mudança de comando. Um dos responsáveis pela chegada do atual treinador vascaíno, Bap foi um dos últimos pilares a serem vencidos até que a mudança de comando fosse efetuada. Avalista da chegada de Jorge Jesus, Braz cresceu à medida que as vitórias e o bom futebol apareceram. Na fogueira de vaidades vermelha e preta, isso foi combustível para mais animosidades.
Ainda durante a passagem de Abel no Flamengo, Bap foi alvo da ira de rubro-negros que picharam o muro da Gávea. Insatisfeitos após uma derrota para o Atlético-MG, o grupo pediu por sua saída e a do treinador. Há quem afirme no clube que o ato, que poupou Braz, tenha sido motivado por questões políticas.
No cotidiano ao lado do elenco, o vice de futebol tem respeito absoluto de comissão técnica e jogadores. Foram muitas as crises contornadas sem que insatisfações de dentro do vestiário viessem a público. Quando broncas públicas de Jorge Jesus começavam a ameaçar a harmonia, ele entrou em cena e aparou as arestas. No episódio do não pagamento da premiação dos títulos aos funcionários, suspendeu os repasses previstos aos jogadores até que a questão fosse resolvida. Ganhou pontos com o elenco, mas ampliou o desgaste com quem queria a revisão dos valores.
Campeão de quase tudo dentro das quatro linhas, o Rubro-Negro mergulha em crise sem sequer ter estreado na temporada. A notícia estremeceu os corredores do clube e dividiu opiniões de figuras influentes. Pelo menos cinco vices foram contrários à decisão. Nas redes sociais, a repercussão foi enorme e chegou aos trending topics do Twitter. Questionado se queria se manifestar sobre o assunto, Bap não retornou até o fechamento desta reportagem.
Retirado de: UOL