Uma análise inicial sobre a MP do governo federal que altera as regras dos direitos de TV pode concluir que o Flamengo ganha, a Globo perde e os clubes ficam mais divididos em negociações. Mas a mudança feita pelo presidente Jair Bolsonaro provoca efeitos no mercado bem mais complexos e ainda imprevisíveis. Isso, obviamente, se a legislação for confirmada pelo Congresso.
Expliquemos o que mudou inicialmente. Pela Lei Pelé, o direito de transmissão de um jogo pertencia igualmente aos dois clubes que o disputavam – um veículo só poderia passar se tivesse acordo com ambos. A MP de Bolsonaro dá esse direito apenas ao clube mandante, aquele que joga em casa, que pode vender para quem quiser em acordo individual.
Em uma primeira análise, essa medida crava como individual a negociação de direitos de televisão. É o que acontece na Liga Mexicana, onde cada um vende seus jogos para o veículo que quiser sem nenhuma relação com os outros times.
E, sim, isso ajuda o Flamengo no seu objetivo de transmitir (ou vender) jogos do Carioca em que é mandante mesmo sem ter acordo com a Globo. O clube também teria maior poder de negociações em futuros contratos do Brasileiro – o atual já está assinado com a Globo. Outros clubes como Corinthians , que tem a segunda maior torcida do país, também poderiam ganhar mais dinheiro.
Por isso, o especialista em finanças César Grafietti enxerga como provável efeito da MP o crescimento do abismo financeiro entre clubes.
“A estratégia é para aumentar a distância. Mas haverá interessados em todos os clubes? Na Europa, os valores de direitos já estão caindo porque a conta não fecha”, analisou César. “Só constrói a tese do individualismo. Vai vender os 19 jogos dentro da sua casa. E como vão ficar os jogos como visitantes? Torcedor vai ter que pagar para outros clubes para assistir no canal próprio? A negociação individual destrói o valor do campeonato.”
Ou seja, na visão de Grafietti, isso significaria que o Brasileiro pode perder valor em direitos de transmissão considerado o bloco total de valor. Mas é preciso lembrar que as negociações de direitos já foram feitas individualmente no atual contrato do Brasileiro, fechado em 2015/2016. Havia, no entanto, uma ligação entre os contratos assinados pela Globo.
E a legislação de direito por mandante é igual a mexicana, mas é igual também a de países que têm negociação coletiva de direitos como Inglaterra e França. Foram formados blocos de clubes para negociar com as emissoras.
Quem atua no mercado de futebol e de direitos de televisão enxerga essa possibilidade da formação de grupos no Brasil. Um Grêmio e Inter, por exemplo, poderiam se unir para venda de um bloco de 38 jogos para uma emissora. Ganhariam força na negociação. Isso, com o tempo, poderia evoluir para grupos maiores.
“Pode ter algo individual de um clube. Mas a tendência é a negociação em bloco no futuro. Por que uma coisa é negociar como clube rico, e outra coisa é negociar como clube pobre. Só pode ter poder de barganha em negociação em bloco”, analisa o advogado Marcos Motta.
E aí surge a questão: a Globo de fato é a mais prejudicada pela MP? Em teoria, com 20 pacotes de clubes para serem adquiridos, a emissora teria diversas negociações para fechar. Além disso, haveria risco de perder jogos importantes para concorrentes que focassem em um só clube.
Mas, na realidade, as negociações de direitos de televisão do Brasileiro, feitas em 2015/2016, já foram individuais. A emissora teve que conversar com cada clube e perdeu parte dos jogos para a Turner.
Com os direitos presos ao mandante, a Globo saberia o que estava comprando. E, se clubes fortes como Flamengo e Corinthians passam a ter direito a negociar pacotes inteiros, ao mesmo tempo perdem direitos sobre seus jogos como visitantes. Na Globo, ainda não há uma certeza de que haverá um prejuízo – o quadro ainda precisa ser entendido.
Até porque há várias perguntas no ar. Como os torcedores dos times fariam para assistir aos jogos fora de seus estádios? O fato de eles só terem direito a 19 jogos do Brasileiro para vender não pode, no final, fazer com que recebam menos do que quando vendiam 38 metades de partidas? Se o negócio é tão prejudicial para clubes de renda média, por que o Bahia, por exemplo, festeja a decisão como uma independência?
Dentro dessas perguntas, há uma passo seguinte que é entender que se o mercado de streaming e canais de clubes é viável para remunerar os clubes pelas transmissões dos jogos mais importantes como os do Brasileiro. Valerá a pena fechar um canal pago para sócios em vez de revender direitos? Atualmente, não há um modelo no mundo que sustente isso.
Essas são perguntas que só o mercado vai responder no futuro. Antes disso, no entanto, será o Congresso que responderá se topa aprovar e levar adiante a MP assinada por Bolsonaro. E isso vai depender justamente de como os agentes do mercado, clubes, CBF e emissoras de televisão vão analisar a medida e pressionar o Congresso. O mercado de direitos do futebol pode mudar inteiramente se isso acontecer ou esta MP pode caducar e voltar a ser tudo como antes.
Retirado de: UOL