Antes conhecido como o mais charmoso do país, o Campeonato Carioca tem se notabilizado nos últimos anos por ser um dos mais confusos do futebol brasileiro. Nesse contexto, a edição de 2020 já entrou para a história. Em meio à pandemia do novo coronavírus, o Estadual do Rio de Janeiro é o primeiro a ter bola e muita polêmica rolando.
Com muitas mudanças na tabela e uma disputa entre clubes que passou pela Prefeitura da capital fluminense até chegar ao STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), o torneio da Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) teve os grandes Fluminense e Botafogo contrários ao retorno e deixou até a Globo, detentora dos direitos de transmissão, em dúvida.
O Carioca retornou na quinta-feira (18) passada com vitória do Flamengo por 3 a 0 sobre o Bangu em um jogo sem torcida, transmissão e num sepulcral silêncio no Maracanã — bem ao lado de um hospital de campanha. No dia seguinte, empate sem gols entre Portuguesa e Boavista no Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador, quando as confusões saíram da esfera esportiva para chegar à Justiça.
Ontem (23), o STJD entrou em cena para anular decisão do TJD-RJ (Tribunal de Justiça Desportiva do Rio de Janeiro) e adiar as partidas da quarta rodada da Taça Rio — antes marcadas entre 19 e 22 — para o domingo (28). Com isso, vieram, ao total, dez mudanças na tabela em um espaço de oito dias.
Graças à insistência da Ferj por manter o Tricolor e o Alvinegro no dia 22 a contragosto e a um confuso decreto do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) no Diário Oficial, que paralisou a competição até quinta-feira (25), para depois se mostrar confiante para desrespeitar a própria legislação sem fazer quaisquer ajustes, Botafogo e Vasco tiveram suas partidas contra Cabofriense e Macaé modificadas de data três vezes.
As partidas entre Fluminense x Volta Redonda e Madureira x Resende também tiveram duas novas datas. Após a dezena de modificações, enfim, o Campeonato Carioca terá seu “segundo retorno”, com todos os quatro jogos restantes pela quarta rodada do returno marcados para o domingo (28).
Ainda pode haver uma derradeira mudança: o Tricolor se nega a jogar ao lado de um hospital de campanha e quer enfrentar o Voltaço no Estádio Nilton Santos, do agora aliado Botafogo. O clube enviou um ofício à Ferj e aguarda resposta.
Globo não confirma transmissão de domingo
Receosa com tantas modificações, a Rede Globo evita confirmar a transmissão do jogo de domingo (28) — que seria do jogo entre Vasco e Macaé, às 16h, em São Januário — pois o cenário muda a todo tempo.
Além disso, a detentora dos direitos de transmissão viu um desgaste além do esperado com o Flamengo, único clube que não fechou contrato com a emissora. Em guerra judicial com o Fla e contrária às narrativas criadas pelo clube e seus torcedores, a Globo cansou de tanta confusão no futebol carioca.
A emissora nem sequer transmitiria o jogo no último do Cruzmaltino caso tivesse ocorrido no último domingo, já que a confirmação menos de 24 horas antes acabaria impedindo ações comerciais e anúncios tanto na TV como nas redes sociais.
Relembre conflitos que começaram desde a paralisação, em março
Os conflitos entre clubes começaram em março, quando a covid-19 ainda começava a se espalhar pelo Brasil, que iniciava o processo de isolamento social. No dia 16, em demorado arbitral, Flamengo e Vasco já eram contrários à paralisação da competição, que acabou acontecendo. Primeiro, por 15 dias, e depois, postergada até maio.
Em 15 de abril, dia em que o país caminhava para 30 mil casos e 2 mil mortes, a Ferj aprovou um protocolo junto à cientistas, médicos e autoridades do futebol. Mas não deliberou sobre o retorno.
Alguns dias depois de afirmar que “nem mãe Dinah” tinha uma data, o presidente da entidade, Rubens Lopes, autorizou, já em 3 de maio, que os clubes decidissem se retornariam ou não aos treinos e jogos.
Foi a partir daí que se iniciou o dissenso entre as equipes da Série A do Estadual. Cinco dias depois, a Ferj encabeçou junto aos clubes um comunicado pedindo o retorno das partidas. Fluminense e Botafogo, que já estavam lado a lado desde março, quando conseguiram a paralisação da competição, foram contra e não assinaram.
De lá para cá, com apoio do Vasco, o Flamengo foi a principal voz pelo retorno. Mandatário do clube, Rodolfo Landim, viajou até Brasília, acompanhado por Alexandre Campello, do Cruz-Maltino — que é médico –, para encontrar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), principal defensor da volta do futebol brasileiro.
Foi em junho, no dia 17, outra autoridade política entrou no xadrez do confuso retorno. Em reunião no Palácio da Cidade, o prefeito Marcelo Crivella apelou para que a Ferj liberasse a volta de Flu e Bota apenas em julho. Já à noite, em um arbitral online, Rubens Lopes afirmou aos seus pares que o bispo não mandava na competição, e manteve as datas do dia 22.
Na noite seguinte (18), o Campeonato Carioca voltou com um jogo entre o Flamengo, que liderou a briga pelo retorno nos bastidores e o Bangu, curiosamente o clube onde Rubens Lopes ingressou no futebol carioca. O silêncio no Maracanã naquele dia foi interrompido por quatro vezes, nos três gols rubro-negros e com as animadas músicas de boate antes da partida.
Poucas horas antes, Fluminense e Botafogo faziam barulho entrando com ação no TJD para adiar as partidas. Com a negativa, os clubes, no dia 19, ingressaram com medida inominada no STJD. Antes de deliberar pelo retorno no dia 28, o Tribunal ainda tentou uma conciliação junto à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), clubes, Federação e um médico independente. No entanto, não houve acordo.
Retirado de: UOL