O final de semana do futebol brasileiro ficou marcado por dois lances fortíssimos de concussão. Ambos aconteceram em partidas do Campeonato Pernambucano, um em Vitória-PE x Náutico e outro em Sport x Central. O problema está cada vez mais frequente no futebol e precisa ser acompanhado de perto por conta de sua importância para a saúde dos atletas.
Diante da gravidade dos casos, o Lei em Campo procurou a CBF para saber se há interesse em adotar o protocolo experimental de concussão da Fifa. Coube ao chefe da comissão médica da entidade, Jorge Pagura, confirmar que a medida será colocada em prática no futebol brasileiro, apesar de ainda não haver um prazo para isso acontecer.
“Estamos discutindo em qual dos campeonatos organizados pela CBF aplicaremos a substituição extra, mas sem dúvida será utilizada”, afirmou Pagura.
Para o fisioterapeuta esportivo e estudioso da área de concussão no esporte, Hermano Pinheiro, a medida é um grande avanço para o esporte.
“A adoção de substituições adicionais em suspeita de concussão cerebral é uma evolução importante no protocolo existente no futebol profissional. A Premier League adotou essa iniciativa em fevereiro e, no Brasil, a CBF deveria seguir o exemplo. Atualmente, os 3 minutos de paralisação são insuficientes para uma avaliação neurológica adequada”, avaliou o especialista.
Já o advogado Vinicius Loureiro, acredita que apesar de importante, é preciso avançar mais no problema.
“Essa medida da FIFA (substituição em caso de concussão) é extremamente válida, mesmo que ainda insuficiente. Não é possível falar que haverá benefício esportivo nesses casos, e a preservação da saúde do atleta deveria ser a principal preocupação”, afirmou o especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
Exemplos de sucesso no combate à concussão podem ser vistos em competições esportivas fora do Brasil, como a NBA e a NFL.
“Na NBA, por exemplo, a substituição não só é permitida como é obrigatória. Em casos de concussão, há um processo rígido para que os atletas possam voltar a atuar”, destaca Vinicius Loureiro.
“O futebol brasileiro precisa de um protocolo de concussão fortemente embasado do ponto de vista científico, e ele precisa ser posto em prática. Na NFL, por exemplo, as equipes são penalizadas quando não cumprem o protocolo de concussão”, completa Hermano.
No sábado (27), dois jogadores do Vitória-PE, Giovani e Palominha, se chocaram fortemente logo nos primeiros segundos da partida contra o Náutico. A dupla chegou a ficar desacordada e inconsciente por alguns minutos, mas ao se “recuperarem”, os jogadores retornaram ao campo, desrespeitando o protocolo da Fifa que proíbe a volta em casos que houver concussão.
Os dois jogadores não conseguiram continuar na partida. Palominha foi substituído após voltar a cair no gramado, poucos minutos depois do choque, enquanto Geovani chegou a vomitar à beira do campo na saída para o intervalo. Mesmo estando conscientes, ambos foram encaminhados ao Hospital da Restauração, no Recife. Após a realização de exames, foi constatada uma fratura na face de Palominha.
No mesmo Campeonato Pernambucano, um choque de cabeça assustou quem assistia a partida entre Sport e Central, no domingo (28). Aos 49 minutos, o goleiro Carlos Eduardo, do Leão, tentou cortar um cruzamento e acabou trombando com o zagueiro Lucão, da equipe adversária.
Avaliado em campo e seguindo o protocolo do futebol, Carlos Eduardo acabou sendo transferido para um hospital onde passou por exames. De acordo com o médico do Sport, Leonardo Silveira, o goleiro sofreu um trauma na face e uma fratura na parte inferior ao olho.
A concussão passou a ser um tema bastante discutido na Inglaterra depois que familiares de ex-jogadores campeões mundiais em 1966 revelaram o diagnóstico de demência em decorrência da prática do futebol, e o Lei em Campo tem alertado há bastante tempo sobre o problema.
O protocolo de concussão foi aprovado pela International Football Association Board (IFAB), órgão regulador das regras do futebol, em dezembro de 2020. Segundo a Fifa, a medida pretende “priorizar o bem-estar dos jogadores” ao evitar duas concussões seguidas dos atletas e reduzir a pressão sobre a comissão técnica no momento da avaliação.
A medida ainda é pouca adotada nos principais campeonatos de futebol do mundo. Das principais ligas da Europa, apenas a Premier League (Inglaterra) e a Liga NOS (Portugal) resolveram implementar o protocolo nesta temporada. No Mundial de Clubes da Fifa, disputado em fevereiro deste ano, ele também foi colocado em prática.
Apesar da inclusão do protocolo experimental, o problema está longe de ser solucionado. É preciso continuar a discussão sobre como avançar no tema.
“É um passo importante, mas outras mudanças devem ocorrer também na maneira como esse problema é abordado no futebol. Médicos independentes no dia do jogo, uso do VR para análise de casos suspeitos, médicos e fisioterapeutas independentes do time para atestar o retorno do atleta aos jogos, ter dados neurocognitivos e funcionais baseline (aqueles obtidos na pré-temporada) de todos os atletas para determinar quando o retorno aos treinos de contato e aos jogos deve ocorrer. Poucas equipes possuem esses dados hoje. Há ainda um longo caminho pela frente”, finaliza Hermano.
Retirado de: Lei em campo