A maioria dos garotos que atuam na base de um clube grande no Brasil sonha em subir para o profissional, conquistar títulos, seguir para o futebol europeu e disputar uma grande liga. Tudo isso estava nos planos de Victor Sá. No entanto, o hoje atacante do Wolfsburg, da Alemanha, fez o caminho inverso e precisou tirar muitas pedras do caminho até chegar na Bundesliga. Hoje, ele está na mira do Flamengo.
“Para ser sincero eu pensei em desistir. Assim que eu sai do Palmeiras, eu estava acostumado com uma estrutura muito boa, eu tinha tudo ali comigo. Eu saí de lá e comecei a rodar o interior, fui para o União Araras, ali tive um choque de realidade. Você morar de baixo da arquibancada, jantar às 17h, comer arroz com salsicha e depois não ter mais nada para comer, banheiro sem água… Coisas assim que você vai tendo um choque de realidade e pensa em desistir o tempo todo. Pensa no que está fazendo ali, pensa em procurar um emprego, mas ao mesmo tempo você tem a família que você precisa ajudar. Hoje em dia eu tomo conta da minha família, lá atrás eu já era uma pessoa que dava boa parte da renda da família. No final, esses motivos vão te dando forças”, contou o atacante em entrevista exclusiva à Goal.
“Assim que cheguei na Europa também, eu fui para fazer teste, eu fui pagando (do próprio bolso). Chengando lá, era um salário que eu enviava praticamente todo para a minha família e vivia minha esposa e eu com 300 euros por mês, com o dinheiro contado. Esse momento a gente pensa em desistir, mas tinha minha esposa, minha mãe, meu irmão, meu pai, minha avó, que sempre me acompanharam e me deram muita força”, completou.
Victor Sá foi revelado na base do Palmeiras, mas não teve espaço no time alviverde. Apesar do momento que o clube vivia, o atacante não tira a sua própria responsabilidade pelas coisas não terem dado certo.
“Cheguei no Palmeiras eu tinha 17 anos, foi um clube que eu aprendi bastante. Por não ter começado na base num time grande, eu cheguei um pouco tarde. Mas acredito que, além do Palmeiras não ter na época a integração que ele tem na base hoje, eu também não estava pronto mentalmente, tecnicamente, para poder subir e dar esse primeiro passo. Me dispersei bastante por viver numa cidade como São Paulo, que você tem tudo ali para fazer. Eu não estava totalmente focado no futebol. Não tinha a mentalidade que eu tenho hoje. Se eu tivesse, muita coisa seria diferente. Sou grato ao Palmeiras, aprendi bastante. Foi questão mesmo de não estar pronto, de querer curtir”.
Aos 27 anos, Victor Sá está no radar do Flamengo desde o ano passado, mas recentemente o clube fez contato com seus empresários e trabalha a possibilidade de formalizar uma proposta na próxima janela de transferências. Apesar de não saber detalhes, o atacante confirmou a procura.
“Teve contato sim, com meus empresários, aí o desenrolar eu não sei dizer porque tem a questão da temporada aqui na Alemanha estar em andamento, não sei em que pé está, mas teve o contato com meus agentes e foi passado para mim que poderia haver alguma coisa. Ainda não estou a par de como está andando. É bem bacana o carinho, o torcedor brasileiro é assim, você fica até espantado. Um dia seu nome sai com o interesse e no mesmo dia, trinta minutos depois, a sua rede social está uma loucura, todo mundo te mandando mensagem, na sua rede, no da sua esposa, no da sua mãe. Eu fico muito feliz, ainda mais um time como o Flamengo, da expressão do Flamengo, tudo o que vem conquistando nos últimos anos. Eu fico feliz pelo interesse e se tiver que acontecer, com certeza seria um clube que seria uma honra para mim vestir a camisa”.
Confira a entrevista completa:
Goal: O Flamengo tem hoje um jogador que defendeu o Wolfsburg e agora brilha por aqui que é o Bruno Henrique, joga na mesma posição que você. Ele chega a ser uma inspiração?
Victor Sá: “O Bruno Henrique eu me espelho bastante porque ele é um jogador, um ponta, tem característica do um contra um, ele só é mais alto, mas está o tempo todo na área. É um jogador que veio para cá também, fez o caminho de voltar ao Brasil e vem se destacando. É um jogador muito bom. Eu acompanho muito o futebol brasileiro, gosto muito de assistir. Às vezes fico aqui, tem o fuso, mas sempre que posso eu assisto”.
Goal: Você fez o caminho inverso e talvez até mais difícil para chegar numa grande liga como a Bundesliga. Como foi todo esse processo?
Victor Sá: “Eu comecei em ligas pequenas no Brasil, joguei na A3, na Bezinha de São Paulo e fui me destacando. Passei pelas dificuldades, mas foi um dos lugares que aprendi bastante e através dsso me transferi para a Europa, para tentar alguma coisa na segunda divisão da Áustria. Quando acabou a A3, eu estava sem clube e uma pessoa me ligou, disse que tinha uma oportunidade para mim na Áustria, para fazer um teste durante 15 dias. Eu estava precisando de oportunidade e fui, fiz os 15 dias de testes e passei”.
Goal: Da segunda divisão da Áustria para o futebol alemão, acredito que também não foi um processo fácil?
Victor Sá: “Eu fiz a segunda divisão na Áustria e fui muito bem. No começo eu cheguei e eles falaram que eu não estava pronto para jogar, ai eu fiquei jogando num time amador, da quinta divisão. Chegou um ponto que eu estava me destacando muito na quinta divisão, ai já comecei a jogar na segunda divisão. Me destaquei, fiz muitos gols, meu time foi bem nas duas temporadas. Aí o time que foi campeão da segunda divisão e estava subindo (LASK) me levou. Lá fui muito bem, fui artilheiro da Copa, fizemos uma campanha muito boa e o time voltou a disputar competições internacionais. Depois disso surgiu o interesse do Wolfsburg”.
Goal: Teve o interesse de outras equipes? Como foi a escolha pelo Wolfsburg?
Victor Sá: “Foi tudo pensado, na época eu estava fazendo uma temporada muito boa e os clubes começaram a me procurar. Teve o Hannover, o Schalke, o Stuttgart, o Wolfsburg… mas calhou do meu treinador, o Oliver Glasner, com quem eu trabalhava na Áustria, acertar com o Wolfsburg, então achei que seria melhor para a minha adaptação, que facilitaria por já entender o modo como ele trabalha. Foi uma decisão certa, nossa equipe vem fazendo duas boas temporadas, hoje estamos brigando pela Champions. Na época fiquei indeciso porque teve oportunidade na Arábia, Estados Unidos, mas fiz a escolha certa”.
Goal: Você joga como ponta esquerda, mas gosta de entrar na área. Você teve que mudar o estilo quando chegou na Europa?
Victor Sá: “Desde que cheguei eu aprendi bastante taticamente, antes eu era um jogador bem ponta, posso dizer que tentava fazer a jogada e sempre servir os outros atacantes. Quando cheguei na Europa passei a ter mais noção tática e também a chegar mais na área. Saber que o ponta tem que ir para cima, dar assistência, mas também tem que estar na área quando o outro ponta está com a bola, ter mais objetivo de gol. Isso se tornou um pouco meu diferencial. Hoje busco estar próximo do gol. Eu penso em servir, fazer o um contra um, mas se tenho a oportunidade de estar na área eu quero estar para tentar fazer gols. Isso começou desde a segunda divisão na Áustria, esse treinador que está ali ele dava muita ênfase a isso, que o ponta tinha que jogar um pouco por dentro também”.
Goal: O Wolfsburg hoje briga por uma vaga na Champions para a próxima temporada, mas quais são os planos do Victor Sá?
Victor Sá: “Meu objetivo é classificar para a Champions League, eu vou ficar muito feliz. A partir disso vai acabar a temporada e o futuro a Deus pertence. Não tem como a gente saber de tudo, meu nome está ai circulando, com pessoas indo nas minhas redes sociais comentando o tempo todo. É bem bacana porque eu trabalhei minha vida toda para isso, ter grandes clubes falando no meu nome, grandes clubes tendo interesse. Então, fico feliz demais pelo interesse dos clubes brasileiros e isso é o reflexo do trabalho que venho fazendo aqui na Alemanha. Hoje sou jogador do Wolfsburg, tenho contrato até 2023, mas quero terminar essa temporada, conseguir nosso objetivo e a partir disso pensar no meu futuro”.
Goal: Você que acompanha bem o futebol brasileiro, quais as principais diferentes para o futebol alemão?
Victor Sá: “A diferença realmente é a intensidade e taticamente. O futebol brasileiro tecnicamente é muito bom. Um jogador brasileiro se vier para a Europa com a consciencia de ele é bom tecnicamente mas que tem que se doar taticamente e fisicamente, ele vai conseguir sucesso. Mas muitos vem para cá com o pensamento de que bom tecnicamente basta e não é assim. O coletivo aqui é muito forte, os jogadores correm juntos, a intensidade é muito forte. Fisicamente você não em espaço para pensar. Você pega a bola, já tem que virar logo porque eles fecham os espaços. A diferença é essa, aqui eles não param e são muito focados no que fazem, taticamente são muito inteligentes e cobram isso bastante”.
Retirado de: Goal