O rival do Flamengo nas oitavas de final da Libertadores de 2021 tem um modelo de fazer futebol com cifras bem diferentes da equipe carioca. O modesto Defensa y Justicia, da cidade de Florencio Varela, região metropolitana de Buenos Aires, é adepto do bom e barato: gasta cerca de 3% da folha salarial mensal do futebol rubro-negro, mas, ainda assim, foi capaz de montar elencos competitivos nos últimos anos.
O presidente do Defensa, Julio Lemme, estima que o clube gaste 100 mil dólares (cerca de R$ 514 mil na cotação atual) com salários por mês. Em comparação, o Flamengo divulgou recentemente que a folha de seu departamento de futebol foi de R$ 16,6 milhões em 2020.
— Ninguém disse que gastando muito dinheiro você é campeão. Às vezes é muito mais fácil equivocar-se com dinheiro do que sem dinheiro, porque você sabe que, quando se tem o justo para gastar, vai comprar o que necessita, sem gastar mais. Nós gastamos o que podemos e, se dá, guardamos para o mês que vem. Sempre tivemos esta forma de nos manejar, e as coisas não saíram tão mal – disse Lemme, em entrevista à Rádio Oriental, em março de 2021.
De fato, as coisas melhoraram para o Defensa y Justicia nos últimos anos: o clube subiu para a primeira divisão argentina em 2014. Em 2017, disputou a Copa Sul-Americana. Em 2020, jogou pela primeira vez a Libertadores e foi campeão da Sul-Americana. Em 2021, conquistou a Recopa Sul-Americana em cima do Palmeiras.
A fórmula em todo esse tempo foi simples: nada de grandes contratações. O Defensa busca trazer jogadores livres no mercado, notadamente aqueles que não têm espaço em times maiores, e também atletas emprestados de clubes grandes.
Os destaques do Defensa y Justicia
- Braian Romero: o atacante tem 21 gols em 33 jogos pelo Defensa. Foi o artilheiro da última Copa Sul-Americana.
- Enzo Fernández: o meio-campista de 20 anos está emprestado pelo River e é visto como indispensável na equipe, graças à sua movimentação em campo.
- Adonis Frias: o zagueiro de 23 anos, revelado pelo clube. Considerado como um dos jogadores de maior projeção na sua posição. Destaca-se pela saída de bola.
- Ezequiel Unsain: goleiro, é o capitão do time. Está há quatro anos no clube e costuma aparecer bem, especialmente nos momentos decisivos.
- Walter Bou: emprestado pelo Boca Junior, é o parceiro de ataque de Romero. Responsável por segurar a bola no ataque e abastecer o companheiro.
O lucro conseguido em vendas de jogadores é direcionado para investimentos na infraestrutura do clube, principalmente nas categorias de base. O resultado começa a aparecer: o zagueiro Adonis Frias, de 23 anos, foi revelado no clube e é visto como um dos destaques da atual equipe.
— Recentemente vendemos um jogador para os Estados Unidos (Ignacio Aliseda, ao Chicaco Fire, por 3,5 milhões de dólares), e com essa venda estamos construindo um prédio para as categorias inferiores, com vestiário, ginásio, escritórios para a comissão técnica e analistas, além de dois campos de jogo – disse Lemme à “Radio Monumental”.
Nos últimos anos, o Defensa firmou uma espécie de parceria informal com o River Plate, trazendo jovens emprestados. No atual elenco estão, por exemplo, o zagueiro Nahuel Gallardo (filho de Marcelo Gallardo, técnico do River) e o volante Enzo Fernández, apontado como um dos destaques do time.
Neste perfil se encaixam também outros atletas de destaque. O principal é o atacante Braian Romero, artilheiro da Sul-Americana 2020. O goleador chegou ao Defensa após passagens de pouco destaque por Athletico-PR e Independiente. Como ele, seu parceiro de ataque, Walter Bou, busca recuperar espaço: está emprestado pelo Boca Juniors.
Beccacece, um velho conhecido do Flamengo
Mas, para fazer um elenco sem estrelas funcionar tão acima do investido, o Defensa conta com um trunfo no banco de reservas: Sebastián Beccacece. O técnico de 40 anos é velho conhecido do Flamengo: foi auxiliar de Jorge Sampaoli e era o técnico do Racing na Libertadores de 2020, quando a Academia eliminou o clube brasileiro nas oitavas de final.
Beccacece está em sua terceira passagem pelo Defensa. Sua história se confunde com o clube. Foi com ele no comando que o Defensa começou a se destacar no cenário nacional. O treinador se valorizou, teve passagens por Independiente e Racing, mas nunca alcançou a unanimidade da qual desfruta na sua atual casa.
— O Defensa é um clube pequeno que, com o trabalho de Beccacece nos últimos anos, foi tomando um ritmo internacional. Não são uma equipe de muito valor econômico, mas a ideia de trabalho de Beccacece os levou aos torneios internacionais. O Defensa está em seu melhor momento na história, e isso é graças também a Beccacece – contou o jornalista argentino Martín Cividino, do “Olé”.
Com Beccacece, o Defensa aposta por um jogo intenso, com muita pressão e jogadas pelos lados. Não é um modelo muito diferente de outros técnicos que passaram pelo clube em seu início de carreira, como Hernán Crespo (São Paulo), Ariel Holan (ex-Santos) e Juan Pablo Vojvoda (atualmente no Fortaleza).
— O time busca avançar por fora, com seus laterais ou pontas, para terminar as jogadas pelo centro. O melhor exemplo é o gol de Romero contra o Palmeiras, pela Recopa. O time adianta muito as linhas e pressiona no campo rival para aproveitar erros – explicou o jornalista Sebastián Purgart.
Preocupação no Campeonato Argentino
Na atual Libertadores, o Defensa ficou em segundo lugar no Grupo A, atrás do Palmeiras. Foram nove pontos conquistados, com duas vitórias, três empates e uma derrota.
No Campeonato Argentino, porém, a situação é diferente. O Defensa é o 11º colocado do Grupo B, com 12 pontos em 13 partidas, e perdeu as quatro últimas partidas pelo torneio.
— As duas últimas disputas não foram boas. Mas, como foi vice-campeão em 2019, ainda está tranquilo na tabela de promédios. Mas não dá para se descuidar no último semestre do ano. Hoje, o clube está longe de se classificar a alguma competição internacional no próximo ano, e isso preocupa. Por isso, o plantel da próxima temporada será armado para dar prioridade ao torneio doméstico – explicou Purgart.
— Em 2021, Beccacece demorou para impor sua forma de jogo, de querer fazer um time mais preocupado em se defender, e começou a perder partidas. Encontrou os melhores rendimentos na Recopa, contra o Palmeiras, e no fim da fase de grupos da Libertadores – completou Purgart.
O próximo desafio do Defensa y Justicia será grande: enfrentar o Flamengo, com um dos elencos mais poderosos da América do Sul. Um clube que iniciou seu salto de qualidade com as mesmas premissas austeras do Defensa, mas num nível de pressão e grandeza superior, e hoje colhe os frutos desta postura.
Os duelos entre Flamengo e Defensa y Justicia pelas oitavas de final da Libertadores acontecerão em julho. O jogo de ida ocorre na semana do dia 14, na Argentina; a partida de volta está marcada para a semana do dia 21, no Maracanã.