Quem observa o camisa 10 do Flamengo em ação principalmente da metade de 2020 para cá geralmente se impressiona. Custa a crer que é aquele guri que já há 19 anos vestia a 10 do Santos, atrevido, meia com o claro vigor da juventude. Vá lá que alguns fios brancos no cabelo estiloso denunciem que Diego Ribas da Cunha já atingiu os 36 anos. E se reinventou. Não é mais Diego, o meia. É Diego, o volante. Aliás, o primeiro volante. Peça fundamental no Flamengo de Rogério Ceni. Um 10 que joga de 5. Mistura de ousadia do técnico com a exigência do avanço do futebol.
Diego topou a empreitada e para isso teve mesmo de se reinventar. Mais do que tática e tecnicamente: teve se preparar ainda mais para aguentar o tranco físico. Tem saltado os olhos a capacidade do já veterano. Nos quase três mil metros de altitude em Quito, contra a LDU, no início de maio, Diego foi o rubro-negro que mais correu em campo: 10,5 quilômetros, apontou o GPS. Consequência de um projeto elaborado pelos setores integrados do departamento de futebol do Flamengo.
— Nos últimos cinco anos em que ele está com a gente, desde 2016, é um atleta que provavelmente – ou certamente – tem mais sessões de trabalho extracampo. O que a gente chama de trabalho de extracampo é trabalho preventivo, os trabalhos corretivos que nós fazemos em função das nossas avaliações físicas, fisiológicas e biomecânicas onde a gente descobre os desequilíbrios e onde podemos melhorar as valências. Ele é o atleta que tem maior adesão nisso, indica Márcio Tannure, gerente de saúde e alto rendimento do clube.
Os trabalhos de prevenção são realizados com rigor. A cartilha de Diego reza chegar ao Ninho do Urubu uma hora e meia antes do horário marcado para o início do treino. No pós-treino, o veterano segue no clube com mais atividades complementares para ter o resultado direto na temporada. Tem surtido efeito. Mesmo aos 36 anos, ele está entre os três jogadores do elenco que percorrem as maiores distâncias por partida. Sempre acima de 10 quilômetros por jogo. Em algumas vezes chegou a percorrer mais de seis quilômetros apenas no primeiro tempo. A marca chama muito atenção internamente no clube. A experiência adquirida com os anos serve não apenas para atalhos no campo. Há uma explicação científica para que Diego, mesmo já além da barreira dos 30 anos, possa suportar a exigência da intensidade na nova posição.
— A gente sabe que a aptidão cardiopulmonar ou falando de uma maneira bem coloquial ou leiga, o gás da pessoa, o pulmão, a gente tem um pico entre 35 e 40 anos desde que você treine isso, óbvio. Não falo de uma pessoa sedentária. Mas numa pessoa treinada o ápice cardiopulmonar dela é entre 35 e 40 anos. Diferentemente do ápice muscular, que é em torno dos 30 anos. Então às vezes ele perde um pouco de força, porém ganha em capacidade pulmonar, o que significa uma valência física de resistência. Então ele suporta a atividade em alta intensidade por mais tempo, explica Tannure.
Dos 17 jogos do elenco principal na temporada 2021, Diego atuou em 15. A maior preocupação é com o trabalho preventivo. Há, claro, contras em já ser um veterano. Por mais que geneticamente seja apontado como privilegiado, a recuperação é mais lenta do que um atleta em torno de 28 anos, por exemplo. O acompanhamento da resposta do corpo do meia, ou melhor, volante à maratona de jogos do calendário brasileiro é bem específico. Por meio de gotas de sangue no processo da chamada bioquímica do esporte, o Flamengo tem noção exata se Diego está perto do seu limite e precisa de um descanso. O objetivo é permitir que ele atinja esse limite, mas jamais o ultrapasse. A última lesão do camisa 10, no músculo da coxa direita, foi em outubro de 2020.
Desde que chegou ao clube, em 2016, Diego acompanhou a evolução do Flamengo não apenas em campo, mas também na estrutura. E já se beneficiou diretamente dela. Em 2019 sofreu a pior lesão da carreira ao quebrar o tornozelo direito nas oitavas de final da Libertadores, diante do Emelec. A recuperação fluiu tão bem que ele conseguiu estar em campo na decisão e participar do lance decisivo do bicampeonato. Para isso utilizou uma esteira antigravitacional, sem impacto. Assim como Filipe Luís é assíduo das câmeras hiperbáricas do departamento de Saúde e Alto Rendimento. O equipamento, basicamente, consiste em acelerar o processo de recuperação de lesões ou regeneração pós-jogos com maior aporte de oxigênio no tecido muscular. A prática é utilizada na Europa. Com domínio dentro e fora de campo, Diego é apontado como referência pelos profissionais do clube a outros atletas.
— É um atleta que tem repertório motor incrível. Uma coordenação motora invejável e serve de exemplo. Ele nos ajuda muito no treinamento porque rapidamente ele compreende o exercício, executa com uma qualidade altíssima e colabora com os demais atletas aí no desenvolvimento de cada exercício. Realiza um trabalho preventivo incansável e diário. Não só conosco da preparação física, mas também busca auxílio da fisioterapia e demais áreas que fazem parte do treinamento desportivo, explica o preparador físico do clube, Danilo Augusto.
De 2002 a 2021, Diego atravessou gerações da bola, colecionou taças e soube se reinventar para seguir competitivo. A versão 3.6 segue em alta. Fruto de um trabalho planejado.
Retirado de: ESPN