Fan token: entenda como clubes de futebol faturam com criptoativos e os riscos do negócio

(Foto: Fla Resenha)

Quando Messi assinou contrato com o Paris Saint-Germain, a ocasião foi usada para a propaganda de um acordo que o clube francês acabara de assinar. O PSG disse à imprensa que o jogador receberia certa quantidade de “fan tokens” como parte do pacote de boas-vindas.

Àquela altura, meados de agosto, o valor de mercado desses tokens triplicou. Ao sugerir que o criptoativo compunha a remuneração do atacante, o clube deu notoriedade e credibilidade para o produto.

Dias depois, a Juventus entrou em campo para enfrentar a Atalanta num amistoso de pré-temporada. Nas mangas de seu uniforme, havia a publicidade de seu próprio token. O $JUV foi lançado em parceria com o Socios.com, a mesma empresa que acompanhava o PSG.

Eles não são os únicos. Atualmente, o Socios.com tem 70 entidades esportivas sob contrato, incluindo gigantes do futebol europeu e também do brasileiro. O Atlético-MG foi o primeiro brasileiro a entrar no projeto. Corinthians, Flamengo e São Paulo vieram na sequência.

Histórias como a das “luvas” de Messi no formato de tokens, bem como publicidades nas camisas dos clubes, se tornarão cada vez mais frequentes, pois o sucesso do projeto depende de engajamento.

O ge preparou um guia para entender o fan token. Além de coletar informações com dirigentes de clubes, a reportagem ouviu Alexandre Dreyfus, CEO do Socios.com.

O que é?

O fan token é um criptoativo que dá direito a participar em votações, como, por exemplo, na enquete para escolher a música que tocará no estádio. Esse é um exemplo recorrente. De acordo com a quantidade de tokens que tiver, o torcedor terá maior ou menor influência na decisão.

As votações serão realizadas dentro da plataforma do Socios.com. Elas serão elaboradas em conjunto por clube e parceira. Departamentos de marketing e inovação hoje trabalham em novas ideias.

Juventus promove fan token com a Socios.com em partida amistosa (Foto: Giuseppe Cottini/NurPhoto via Getty Images)

A diferença para uma votação qualquer entre sócios é que o token pode ser comprado e vendido num mercado digital. Ele tem autenticidade garantida por sistema de blockchain, e ele tem valor de mercado que flutua conforme oferta e demanda, ditada pelos usuários.

Em outras palavras, o torcedor pode comprar fan tokens de um clube, qualquer um, e revendê-los em sites como o Mercado Bitcoin. Se houver muita gente comprando, o valor sobe. E vice-versa.

Para adquirir os itens, o consumidor precisará gastar dinheiro de verdade – como reais, dólares e euros. Mas a operação não é feita diretamente com essas moedas. Primeiro, ele precisa comprar criptomoedas aceitas em mercados digitais. O Socios.com tem uma própria, a Chiliz. Com CHZ na carteira, os tokens podem ser comprados.

O que não é?

Quando o PSG anunciou que Messi receberia fan tokens como parte das “luvas”, a reação natural do público foi entender a novidade como uma criptomoeda – um item que, assim como o bitcoin, poderia ser usado para realizar transações, comprar e vender outras coisas.

No entanto, o fan token não é uma criptomoeda. Não existe nenhuma possibilidade de comprar produtos ou serviços com esses ativos. A única finalidade deles é permitir a participação nas votações que serão elaboradas na plataforma por clubes e parceira.

Os tokens podem ser revendidos, assim como podem ingressos para jogos de futebol, em mercados secundários. Os tokens também estão listados em mercados digitais ao lado de criptomoedas. Mas eles se caracterizam como ativos, por mais genérica que seja a palavra.

Como os clubes faturam?

Uma vez assinado o contrato, a parceira põe tokens à venda. A primeira emissão é chamada de FTO – “fan token offering”, ou oferta de fan token. O vocabulário é produzido para lembrar a Bolsa de Valores.

Nessa primeira emissão, as quantidades de criptoativos jogados no mercado podem variar, mas no Brasil o padrão tem sido de 850 mil tokens por vez. A um custo de dois dólares cada, em poucas horas, essa venda gerou US$ 1,7 milhão nas estreias de Atlético-MG e Corinthians.

Tanto nessa emissão inicial, quanto em todas as vezes seguintes em que o Socios.com colocar tokens novos no mercado, o clube tem direito a 50% do valor. Na largada, portanto, os brasileiros arrecadaram US$ 850 mil cada, valor próximo dos R$ 5 milhões no câmbio atual.

Os contratos preveem determinado estoque de tokens. Em entrevista receita ao podcast Dinheiro em Jogo, Danilo Fratangelo, gerente de inovação do Corinthians, disse que o acordo previa a emissão de 20 milhões de tokens. No Atlético-MG, o contrato estipula 10 milhões.

Não adianta prever a arrecadação com base nos valores iniciais, porque, com a flutuação, o valor do token varia. Agora, o criptoativo do Corinthians, denominado $SCCP, está avaliado em US$ 1,37 cada. O $GALO, do Atlético-MG, não está sendo monitorado pelo CoinMarketCap, indicado ao ge por Alex Dreyfus como fonte confiável.

Clube e parceira, então, vão “jogar” com as circunstâncias. À medida que o valor do fan token sobe, por qualquer motivo que gere mais demanda, como a contratação de um jogador ou uma ativação inventiva, eles podem jogar mais tokens no mercado para faturar novamente.

Adicionalmente, toda vez que usuários fizerem transações de tokens entre eles, o clube terá direito a 0,25% do valor. Um percentual que só gerará valor relevante em operações vultosas.

Produto ou investimento?

Da maneira como o negócio foi estruturado, são muitas as semelhanças entre esses criptoativos e modalidades de investimento tradicionais. Quem acompanha as variações do valor de mercado dos tokens pode lucrar com a especulação, ou seja, “comprar na baixa e vender na alta”.

O Socios.com se exime dessa finalidade. A empresa trata o fan token como um produto numa prateleira, bem como um ingresso para uma partida de futebol ou um tênis. Esses itens podem ser revendidos, se houver demanda, mas o objetivo primário deles não é a revenda.

— Não é nosso trabalho no Socios.com promover um investimento que vise lucro. Nós promovemos a utilidade do token. Há pessoas que estão comprando e vendendo tokens? Sim. Claro. Nós não promovemos, nós não encorajamos, mas há. Há pessoas comprando e vendendo tênis, mas o propósito de um tênis ainda é andar com ele. Assim como o fan token. O propósito do fan token é usá-lo, usar os benefícios dele – diz Alexandre Dreyfus.

Alexandre Dreyfus, CEO do Socios.com (Foto: Divulgação)

O risco para o consumidor

Recapitulando: fan tokens não são criptomoedas e não são recomendados como um tipo de investimento, pelo menos no discurso formal do Socios.com, apesar de a empresa faturar com as transações.

Ainda assim, é provável que torcedores se sintam motivados a comprar os criptoativos de olho em possível valorização e revenda. Caso contrário, eles não estariam listados em mercados secundários, nem teriam um valor de mercado estipulado por oferta e demanda.

Nesse caso, é fundamental que o consumidor lembre de uma regra básica: o fan token só terá alguma utilidade, e portanto algum valor, enquanto as votações forem organizadas.

Na hipótese de o contrato entre clube e parceira terminar, as enquetes deixam de acontecer, e os ativos perdem subitamente seu valor. A mesma consequência ocorre se, mesmo com contrato vigente, dirigentes decidirem não mais fazer votações por meio da plataforma.

Não existe, pelo menos nos contratos com os clubes brasileiros e na comunicação da plataforma, nenhuma obrigação de recompra dos tokens em caso de perda da sua utilidade. O risco é do consumidor.

Alexandre Dreyfus, CEO do Socios.com, diz que pode existir longevidade para os fan tokens mesmo depois do fim do contrato. Mas os clubes precisarão encontrar novas parceiras para viabilizar a operação.

— O token ainda existe. A questão é quem vai oferecer o serviço para você, com dono de um token. Pode ser o Socios.com. Pode ser que o Corinthians, depois de cinco anos, queira assumir esse serviço no aplicativo deles. Ainda é um serviço, ainda tem valor. Eu e você podemos prever o que vai acontecer no mercado em cinco anos. Existe um risco? Claro. Mas acho que a questão principal pra nós é: o que faremos para ter certeza de que proveremos utilidade, serviços e melhorias aos fãs e aos clubes, para que isso nunca aconteça? – afirma Dreyfus.

O modelo de negócios

O Socios.com pertence a uma empresa com sede em Malta, um paraíso fiscal, e escritórios estabelecidos em alguns lugares estratégicos para o negócios: Madrid (Espanha) e Istanbul (Turquia).

A companhia inaugurará um escritório em São Paulo, de onde administrará a relação com os brasileiros. De acordo com Dreyfus, devem ser contratadas entre 20 e 30 pessoas para trabalhar no local.

O CEO da empresa afirma que o negócio está sendo montado de olho numa operação de longo prazo. Apesar de o Socios.com não revelar prazos para seus contratos, o ge apurou que, no Brasil, as parcerias estão sendo estabelecidas com as seguintes durações:

  • Atlético-MG: até fim de 2023
  • Corinthians: até fim de 2025
  • Flamengo: até fim de 2025
  • São Paulo: até fim de 2025

O modelo de negócios do Socios.com foi concebido para que a empresa fature em várias pontas. Ela é dona do Chiliz, a criptomoeda que serve de “ponte” para a aquisição dos fan tokens. Ela também é proprietária dos fan tokens. Em ambos os casos, o estoque é dela.

Nesse sentido, o futebol se apresentou como um meio para tornar o criptoativo popular. A partir do momento em que o PSG entrega esses itens para Messi, que a Juventus coloca a parceria na manga da camisa e que clubes brasileiros se engajam no lançamento de seus tokens, a companhia gera demanda para dois produtos: os tokens e o Chiliz.

Além disso, pela natureza digital e descentralizada, não existe regulação desse mercado. Ou seja, não há nenhum governo que dite regras de funcionamento, nem mecanismos de proteção ao consumidor em caso de falência da empresa, ou perda súbita de valor do ativo.

A falta de regulação é assunto recorrente em reportagens estrangeiras, pois é uma característica global. Perguntado pela reportagem sobre o que pensa a respeito, Dreyfus respondeu que é a favor da regulação, mas traçou um paralelo com outros produtos para refutar a questão.

— É muito curioso, porque essas são as perguntas erradas. Quando você compra um tíquete, qual é a proteção? Qual é a proteção contra o clube ir à falência e o tíquete não voltar? Zero. Mas não estamos perguntando ao clube por que ele não é regulado – responde Alexandre Dreyfus ao ge.

Créditos do texto: Globo Esporte – Vicente Seda e Rodrigo Capelo