Entre a eliminação na Copa do Brasil, a pressão sobre Renato Gaúcho e o jogo decisivo deste sábado, no Maracanã, contra o Atlético-MG, pelo Brasileiro, ainda existe uma crise que cresce de proporção a cada dia no Ninho do Urubu. Foi necessária a intervenção presidencial – que não ficará apenas no veto de entrevista coletiva do vice-presidente de futebol, Marcos Braz – para diagnosticar além do que mostram os exames médicos no Flamengo.
O departamento médico – e aí está inserida a preparação física – é o centro de uma crise que se desenha desde o ano passado, principalmente pelo aumento do número de lesões. Mas extrapolou os limites e gera insatisfação de praticamente todos os lados nos corredores do centro de treinamento. De qualificação profissional até remuneração, passando por execução e resultados, a palavra “insatisfação” está em moda no Ninho não é de hoje.
O episódio que envolve Pedro ainda não teve um ponto final – o que tem chances de acontecer nesta sexta-feira com posicionamento das partes. Se a cirurgia no joelho direito foi um sucesso, na última segunda-feira, até o atacante deitar na maca os departamentos de futebol e médico tiveram dias agitados.
A cronologia
Por decisão do departamento de futebol rubro-negro, evitou-se divulgar maiores detalhes de todo o caso, o que tornou tudo ainda mais nebuloso e deu margens a diversas teorias. As informações sucintas e pouco esclarecedoras, por sinal, se tornaram praxe, aumentando o espaço para questionamentos.
Pedro sofreu uma pancada no joelho direito no jogo contra o Juventude, dia 13 de outubro. Após as dores persistirem por 48 horas, foi realizado um exame no dia 16, que constatou um edema ósseo no local. No dia seguinte (17), o jogador ficou fora do empate por 0 a 0 com o Cuiabá.
Melhor das dores, voltou contra o Athletico-PR, em Curitiba, no dia 20 – fez gol. Porém relatou dor após a reapresentação. Na sexta (22), foi submetido a novos exames. O resultado saiu no sábado (23). Aí, sim, com a constatação de um novo problema, no menisco. O clube num comunicado disse “que o atacante seria reavaliado na segunda-feira” – dois dias depois do diagnóstico já estar em mãos.
Orientado pelo médico Márcio Tannure, chefe do DM do Flamengo, Pedro foi no domingo (24) pela manhã ao consultório do Dr. Luiz Antônio Vieira, médico que operou seu ligamento cruzado anterior em 2018, quando ainda estava no Fluminense. Após Pedro ser examinado pessoalmente por Luiz Antônio, houve a decisão em conjunto pela realização de artroscopia já no dia seguinte. Renato Gaúcho foi informado sobre a decisão.
Na noite de domingo, depois de falar em reavaliação na segunda, o clube divulgou sem maiores detalhes a informação da cirurgia.
Diante dos questionamentos por parte da imprensa e torcida, Braz, já na segunda, entrou em cena e marcou uma coletiva dele próprio para terça-feira. A intenção do dirigente era abrir para temas diversos, inclusive assuntos médicos, mesmo sem a presença de Tannure ter sido cogitada – o que não soou bem internamente. O diretor executivo Bruno Spindel acompanhava o desenrolar mais como ouvinte do que atuante.
Braz foi desautorizado por Landim na manhã do dia marcado para a sabatina. Duas horas depois do horário previsto para o início da coletiva, houve o anúncio de cancelamento. O presidente, então, decidiu esperar o jogo contra o Athlético-PR para voltar ao tema, o que deve acontecer nesta sexta.
Questionamento médico e físico
Há quase 20 anos no Flamengo, Tannure nunca viveu dias de protagonista de crise como agora. No clube desde 2002, ele ocupa o cargo de gerente de saúde e alto rendimento e está à frente do DM desde 2015. Desde o ano passado, porém, viu sua autonomia derreter diante de escolhas pessoais de Braz que não seguiram a metodologia aplicada no clube – essa é uma das pautas no caderninho de Landim.
Na reformulação que houve há um ano, com a troca de vários profissionais, apenas dois chegaram por escolha de Tannure: o médico Fernando Bassan , que é clínico e cardiologista, e o fisioterapeuta Márcio Puglia, que substituiu o fisioterapeuta Fabiano – que por sua vez deixou o clube após aceitar uma proposta para trabalhar no Japão.
A preparação física virou uma pulga saltitante atrás da orelha de Landim. Incomodou. Fez coçar a cabeça para tentar entender o que se passava. E a tendência é que o presidente toque o processo por conta própria, olho no olho, sem filtros.
O preparador físico principal, Alexandre Sanz, está mais pressionado do que Renato Gaúcho. Sua manutenção não encontra eco nem no próprio departamento nem entre jogadores, que o consideram boa-praça, mas abaixo do que se espera para comandar o setor no “clube mais rico do Brasil”.
Sanz foi contratado por Braz para formar a comissão de Abel Braga, em janeiro de 2019. Na ocasião, mesmo sem tornar pública sua desconfiança, Abel questionou para pessoas próximas a escolha do profissional. E ouviu de volta: “Ele saiu de instrutor de treino funcional na Praia da Barra para preparador do Flamengo”.
Sanz, que trabalhou com Braz no time campeão em 2009, foi afastado da função poucos meses depois do retorno em 2019, já que Jorge Jesus trouxe toda sua comissão. A decisão do Mister, no entanto, não gerou em demissão e o profissional foi direcionado para realizar curso de aprimoramento enquanto não estava nos planos do treinador.
Segundo o Globo Esporte apurou, o trabalho de Sanz é mal avaliado no Ninho. O que envolve desde a criação de relatórios de desempenho que não condizem com a realidade dos treinos até a falta de complemento adequado aos trabalhos conduzidos por Renato para preparar o elenco.
Essa falta de complementação, inclusive, pode explicar o recente aumento de lesões no elenco. Um exemplo prático: Renato tem hábito de treinar em campo reduzido; logo, a preparação deveria fazer um trabalho de compensação para ter um equilíbrio entre intensidades do trabalho. E não é o que acontece – segundo relatos de profissionais envolvidos nas atividades.
Outro feedback negativo que está sendo encaminhado para Landim é o do médico Marcelo Soares, que também voltou ao clube por indicação de Marcos Braz. Apesar de ter processado o Flamengo quando saiu, em 2016. Mas o retorno dele foi bancado pelo vice de futebol. Chefe do setor, Tannure foi quem tinha demitido o profissional em 2016 por questões técnicas.
Landim percebeu, enfim, a bomba-relógio instalada no elo entre futebol e DM. O presidente examina novos fatos relatados do dia a dia recente do Ninho que servirão para completar o tardio dossiê – existem provas documentais, inclusive.
O fato de o vice de futebol, Marcos Braz, ter sido responsável por nomes atualmente questionados internamente é engolido a seco por caciques na Gávea; o que não desce de jeito nenhum é o fato de o dirigente não ter agido para conter danos.
No meio disso tudo, ainda tem Renato Gaúcho, que tem sido questionado não só por resultados e atuações, mas pela condução de treinos. Ou pela pouca efetividade deles, uma percepção geral no Ninho. E que já chegou à Gávea.
Retirado de: Globo Esporte