Embora a troca de técnico ao fim da temporada e a chegada de Vítor Pereira para o lugar de Dorival Jr tenha sido decisão quase unilateral do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, todos na hierarquia abaixo dele no futebol concordaram, e a partir daí se tornaram cúmplices do sucesso ou do fracasso da decisão. O começo da temporada 2023 indica que a mudança de rumo não foi inteligente em função dos resultados, mas há uma avaliação interna de que o trabalho precisava desse salto.
A derrota na Recopa, nos pênaltis, sem sofrer gols e com vitória de 1 a 0 no Maracanã pode ser considerada, mesmo que não para a torcida, um passo adiante na busca por uma equipe mais consistente. Por sua vez, a permanência de Vítor Pereira no cargo, com respaldo da direção e dos jogadores, funciona como o elo que evita a mudança mais profunda de todo o departamento de futebol do clube. É como jogar pega-varetas. Se tira a errada, tudo cai, como um castelo de areia. Demitir o treinador é tirar o escudo que ainda protege jogadores e diretoria.
Quando a direção decidiu mudar o comando técnico, se expôs. E expôs também um elenco milionário, que não pode ser reformulado da noite para o dia. Muitos em fase descendente. Dirigentes e atletas sabem que precisam “engolir” e “comprar” o trabalho de Vítor Pereira, que tem bons subsídios no dia a dia, para que todos cheguem juntos ao fim do ano, mesmo com algumas cicatrizes como as campanhas no Mundial e os vices da Supercopa e da Recopa.
“A equipe da sinais claros de melhorias e agora esperamos que apareçam também os resultados. Vamos continuar. Temos um clássico para dar uma resposta. Hoje fomos competentes e faltou traduzir em resultado”, afirmou Vítor Pereira após o vice da Recopa para o Del Valle.
Nesse momento o Flamengo enxerga o copo meio cheio. É como se o clube tivesse se dado conta, ao fim da temporada passada, que para planejar a longo prazo precisaria quase que abrir mão do começo de 2023 recheado de expectativas pelas disputas que se avizinhavam. Todas agora encerradas, sem nenhuma conquista. Ficou a sensação de derrota, de que o técnico escolhido não foi o correto, de que a reformulação profunda precisa acontecer, com a saída do vice de futebol Marcos Braz e todo o componente emocional e político de momentos de crise.
Virão pela frente, além do Vasco no domingo, as sentenças de início de ano. E o Flamengo aprendeu nos últimos anos, quer com uma gestão mais ou menos profissional, que o que importa é como termina. Assim, atletas e comissão técnica se mobilizaram em uma espécie de pacto diante das boas ideias de Vítor Pereira apresentadas até aqui. Sem tempo para treinar, com decisões trepadas, todos indicaram comprar o barulho do treinador para que a partir de agora o trabalho ganhe corpo.
Pereira também indicou internamente que após as decisões faria mexidas mais profundas na tentativa de criar sistemas flexíveis de jogo. E que para isso jogaria quem estivesse melhor. Passados três torneios, fica claro que o quarteto ofensivo não é imune às mexidas. Gabigol, Pedro, Arrascaeta e Éverton Ribeiro alternaram bons e maus momentos, mas para o coletivo tê-los juntos nas partidas mais importantes não foi tão positivo assim. O técnico introduziu aos poucos soluções momentâneas que agora podem ganhar sequência, como Cebolinha.
A ideia segue sendo reforçar o grupo com duas ou três peças até a janela de abril ou quiçá no meio do ano. Movimento que normalmente garante boas manchetes e semanas de estabilidade para a diretoria que se acostumou a reconfigurar o planejamento com ele em curso para buscar os títulos. Se Vítor Pereira vai durar até o fim da temporada e cumprir feito inédito na gestão de Landim só o tempo dirá. Mas é possível afirmar que hoje o trabalho dele mal começou e a partir de agora, com mais tempo, é que a avaliação do Flamengo sobre seu futuro vai se dar.
Retirado de: O Globo