Há dois olhares possíveis para a noite de terça-feira do Maracanã. Um deles é contar a história dos 120 minutos de partida. Outro, avaliar o que espera o Flamengo após um jogo que encerrou a primeira etapa deste 2023: foi a terceira de três decisões, jogadas em pouco mais de um mês, em meio a um trabalho embrionário de um novo treinador. Até mesmo em seus bons momentos contra o Independiente Del Valle, uma coisa ficou nítida: é mais complexo do que parece transformar a reunião de talentos do Flamengo num time equilibrado e competitivo. O trabalho de Vítor Pereira é escolher um caminho para fazê-lo. E hoje, o rubro-negro é, acima de tudo, um time em profundas transformações na sua forma de jogar.
É possível constatar que nos 120 minutos o rubro-negro produziu o suficiente para ser campeão da Recopa, e mesmo assim assumir que há imensos desafios para tornar este Flamengo um time sólido. Foi um primeiro tempo de boa produção ofensiva, duas bolas na trave, ao menos uma outra chance importante. Na etapa final, o gol de Arrascaeta chegou apenas no último lance, quando a equipe já não produzia tanto. Mesmo com o controle das ações na prorrogação, foram raras as sensações de que o gol estava próximo.
O que o resultado deixa de mais cruel é uma espécie de “fator Brasil”. Vítor Pereira enfrentou uma etapa de conhecimento do elenco, de adaptação dele ao clube e do clube a ele, em meio a três finais. Era até ingênuo imaginar que o caminho escolhido pelo Flamengo para uma temporada tão peculiar pudesse ser trafegado sem atropelos. O duro é que, na realidade brasileira, a real construção do time após um período de tantas urgências terá que ser traçado com o débito de três títulos perdidos.
Se as três taças ficaram para trás, o mais útil é pensar no que a decisão da Recopa pode indicar para o futuro. Vítor Pereira fez mais uma tentativa no eterno desafio de equilibrar este Flamengo sem bola. Thiago Maia foi um terceiro zagueiro, com os alas Varela e Ayrton Lucas abrindo campo pelos lados. Gabigol, Pedro e Arrascaeta formavam um trio que buscava preferencialmente o centro do ataque, sobrecarregando os três defensores equatorianos. O meio-campo ficava entregue a Vidal e Éverton Ribeiro, um dos melhores da partida.
A ideia funcionou no primeiro tempo, um dos melhores momentos do time com o novo treinador. No entanto, quando se olha para o futuro, o que mais chamava atenção era como aquele era um Flamengo em transformação: uma considerável quantidade de comportamentos novos para diversos jogadores. A começar pelo sistema, raramente usado por esta equipe desde 2019. Mesmo com Paulo Sousa, conta-se nos dedos quantas vezes o time defendeu numa linha de cinco homens.
Mas a maior mudança tem a ver com o mais notável traço de identidade do Flamengo no ano passado: no lugar de resolver as jogadas preferencialmente pelo centro, o time passou a buscar os lados. É fato que, em parte, os 39 cruzamentos dos 90 minutos iniciais se deveram a um segundo tempo em que o time já não achava caminhos. No entanto, a etapa inicial teve Varela e Ayrton Lucas encontrando as costas dos alas do Del Valle. Por ali saíram as melhores jogadas. No segundo tempo, com os equatorianos defendendo mais perto do próprio gol, foi mais duro achar estes espaços e o Flamengo não fluiu.
É uma mudança de essência. Arrascaeta, por exemplo, passou boa parte do jogo mais próximo da linha defensiva do Del Valle do que participando de trocas de passes pelo centro, dialogando com o meio-campo. É possível ser competitivo assim? Claro. É possível, também, que parte do plano fosse uma adaptação a circunstâncias específicas desta final. Ainda assim, está claro que tamanha transformação requer tempo para o time se estruturar.
Foi justamente por aprofundar os alas e buscar o jogo pelos lados que Vítor Pereira, o atual responsável pela busca do equilíbrio neste Flamengo desafiador, acrescentou Thiago Maia à linha defensiva. O treinador português, aliás, tem uma preocupação com a largura do campo. Ou seja, parece querer que o Flamengo ataque sempre com homens abertos, buscando espaçar as defesas rivais. Algo que nem sempre o Flamengo buscou nos últimos anos. Em 2022, por exemplo, não havia um homem abrindo o campo pelo lado esquerdo, por exemplo.
Outra consequência do modelo foi a forma vertical como o rubro-negro atacou no segundo tempo. O time quase sempre buscava os lados em aceleração, buscando resolver as jogadas em ações mais rápidas. É outra mudança em relação a uma equipe que se habituou a ficar com a bola e construir ataques em mais passes.
Caso Vítor Pereira pretenda, de fato, estabelecer o modelo de terça-feira como um padrão, há questões a observar. Uma delas, quem serão os volantes. Vidal e Éverton Ribeiro tiveram que cobrir uma porção grande do campo. Ambos foram à exaustão antes da metade do segundo tempo. Nas alas, especialmente na esquerda, a reposição a Ayorton Lucas também é problemática no elenco. Filipe Luís é um jogador de característica distinta e Marinho, que já foi testado por ali nesta temporada, não tem correspondido.
Na busca pelo resultado, o Flamengo terminou o jogo de volta a uma linha de quatro defensores. Mas, em qualquer formação, o que parece condicionar as escolhas dos treinadores que passam pelo clube são as características do quarteto. Pedro, por exemplo, é um atacante de pouca participação sem bola – uma diferença crucial em relação a Bruno Henrique, por exemplo.
O Flamengo de 2023 pode vir a ser tão vitorioso quanto as últimas versões do time. Mas, aparentemente, tentará fazê-lo por caminhos bem diferentes, embora tortuosos. Por ora, é possível concordar ou discordar de escolhas feitas por Vítor Pereira. O que não é possível é decretar que ele já fracassou ou que irá vencer. O Flamengo, entre pressões políticas e fragilidades de projeto esportivo, é que segue fabricando muitos dos seus obstáculos. O início de 2023 é um retrato disso.
Retirado de: Globo Esporte
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