Apesar de preferir sertanejo ao pagode, Fabrício Bruno utilizou uma frase conhecida na voz do cantor Thiaguinho para definir a fase atual no Flamengo: “Vivendo um grande momento”. O caminho até aqui, porém, foi marcado de recomeços na vida de um zagueiro que vivenciou inícios difíceis nos clubes pelos quais passou.
No Flamengo não foi diferente. Uma lesão rara no pé esquerdo fez o zagueiro desfalcar o clube por 101 dias, em 2022. Fabrício voltou a jogar justamente no jogo que definiu como o melhor momento no clube: a vitória por 5 a 0 em cima do Athletico, quando marcou dois gols no Maracanã. Para o camisa 15, a atuação foi sua virada de chave no Ninho do Urubu.
” Ali foi a virada de chave. Eu vinha nessa sequência que eu falo, de jogar um, jogar outro, descanso, jogo, descanso. A gente não tinha o David Luiz contra Athletico-PR lá. E para mim, ali foi a virada de chave. E se você for perguntar assim: “Fabrício, para você dentro da Copa do Brasil, qual o jogo mais difícil?” Para mim, contra o Athletico-PR lá, porque é um jogo campo diferente, torcida contra” – disse o zagueiro, antes de continuar:
” Muitas pessoas não lembram ali era um jogo muito difícil. Faço um gol atrás do outro. Ali, sem dor, foi a virada de chave para mim. Jogar é bom. A partir do momento em que você está jogando, a confiança vai lá em cima, e as coisas começam a acontecer naturalmente.”
Dez meses se passaram e é possível perceber que o zagueiro fez novamente o que mais aconteceu na carreira: contrariou as incertezas e venceu os obstáculos. As performances seguras, a inteligência tática e a postura de liderança fizeram o atleta conquistar, ainda que devagar, um espaço no elenco que já era multicampeão quando ele chegou.
” Acho que até aqui é o ápice. Vivendo um grande momento. Eu cheguei no Flamengo, começo a jogar, mas tenho uma lesão. Tudo o que eu priorizei na minha vida foi ter uma sequência. Jogar ou não faz parte, mas quando você joga, você quer a sequência, principalmente com o peso da camisa do Flamengo. Quando não tem sequência, você fica pensativo. Mas eu sempre soube que quando eu emplacasse uma sequência, eu ia embora porque eu me conheço fisicamente e tecnicamente. Sem dúvida, é o melhor momento da minha carreira até aqui.”
Mas foi só com Jorge Sampaoli que Fabrício engatou a melhor sequência com o Flamengo. O zagueiro é o único jogador a participar como titular dos 16 jogos do treinador até aqui. Ao todo, 1582 minutos. Em meio a isso, a força física ganha destaque.
” É difícil eu me lesionar. É muito difícil. Eu trabalho para ter sequência grande de jogos. O prazer do jogador é competir. Eu trabalho para isso. Lesão está no passado. Não carrego dor, trauma, nada. Cabeça tranquila daqui para frente. Eu me cuido bastante. Tanto dentro do clube quanto fora.”
A mentalidade forte vem de alguém que buscou soluções para além dos problemas do corpo. Há algum tempo, Fabrício é acompanhado por uma psicóloga que é quase uma confidente. A profissional acompanhou e ajudou o zagueiro a superar “os inícios muito difíceis nos clubes” – tratado quase como uma sina por um amigo pessoal.
Fabrício Bruno teve problemas físicos na Chapecoense, em 2017, e no Bragantino, em 2020. Nenhum muscular, como fez questão de destacar o zagueiro. Além disso, sofreu ameaças de morte quando deixou o Cruzeiro, onde teve duas passagens. Na primeira, foi de revelação a jogador sem espaço. Na segunda, arriscou e viveu o rebaixamento.
A vida do jogador não foi fácil e os recomeços marcaram a trajetória até chegar ao que afirmar ser o ápice da carreira. Aos 27 anos, Fabrício se tornou peça chave no Flamengo e, principalmente, no Flamengo de Sampaoli, técnico que o zagueiro admirava desde os tempos de Atlético-MG e Santos.
Fabrício é visto como um dos homens de confiança do argentino, mas quando questionado o motivo, o zagueiro sorriu e fugiu da resposta. Sobre a sequência com Sampaoli, o zagueiro não titubeou e reforçou que o “o trabalho é o segredo”.
” Eu acho interessante o estilo dele de jogar. Ele desafia muito os zagueiros a entenderem o processo do jogo, a saída de bola. Quando ele veio para cá, fiquei feliz. Fiquei feliz por trabalhar com um cara que iria me desafiar a tirar algo que poderia estar dentro de mim preso. Talvez muita gente se pergunte como eu consigo jogar esse número de jogos. O segredo é trabalhar e se cuidar.”
Mas não é só de futebol que vive o Fabrício Bruno. A pesca é um dos descansos preferidos do zagueiro nos dias de folga, principalmente quando envolve a família e os amigos. Mais recente, Fabrício viajou ao lado de David Luiz e Pedro para Mangaratiba, no Rio de Janeiro.
Rolou até competição de pescaria com os companheiros, mas Fabrício Bruno não hesitou ao completar uma adaptação do ditado: “Caiu na rede, é peixe ou gol?”
” Gol. Prefiro muito mais fazer gol do que pegar peixe. ” (Risos)
Estilo de jogo de Sampaoli
“O jogo dele é apoiado, é jogo com a posse de bola. Então, muita das vezes, a construção começa da gente (zagueiros). No futebol moderno, o atacante pressiona e os zagueiros armam. O futebol se molda diferente hoje em dia. Contra o Botafogo, eu cruzei pro Léo Pereira. Eu tenho valências técnicas e físicas muito interessantes, que se encaixam no estilo de jogo dele. Venho aprimorando, e a data Fifa vai ser importante para a gente conseguir trabalhar a abraçar o estilo de jogo dele. Não é só o Sampaoli que pede, o futebol pede. O defensor que só defende ficou no passado. Tem que evoluir. Feliz de ter o Sampaoli com a gente. O diferencial é isso. O trabalho que ele faz com um, faz com todos. Ele tenta capacitar todos e extrair o melhor de cada um.”
Momento do Flamengo
” A gente inicia uma temporada onde a expectativa é muito alta, e muitas das vezes as coisas não aconteceu conforme a gente esperava. Mas nunca foi por falta de trabalho. A gente sempre se dedicou, se entregou. Falando do Mundial, a gente pega o Al-Hilal, que é um clube que muitas das vezes as pessoas não sabem o que é, mas é um clube gigantesco dentro da Arábia Saudita. A Supercopa é um jogo dentro aqui do nosso futebol onde tudo pode acontecer. É um grande jogo.”
” E muitas das vezes as pessoas ficam se perguntando, mas a gente sempre trabalhou, sempre se dedicou para buscar os resultados. Às vezes, as coisas não aconteciam e chateação a gente vai ter. Vai ter porque, cara, jogar num clube igual a esse é um privilégio para cada um de nós. É um clube acostumado a ganhar título e, quando você perde, não só aqui, qualquer lugar, quando você perde, fica chateado. Porque você trabalha para viver esses momentos. Você trabalha para estar numa final de campeonato. Você trabalha para estar na liderança e quando você não consegue almejar aquilo que você tanto quer é, é frustrante.”
” E não pelo fato de deixar de trabalhar, pelo contrário, a gente trabalhava muito para conquistar as coisas. Infelizmente não aconteceu, paciência. A gente vem trabalhando, se dedicando. Agora as coisas vêm. Navegando em mar mais calmo para dar tranquilidade, paz para a gente conseguir alcançar nossos objetivos durante a temporada, que é longa ainda. E com muito trabalho e com muita fé em Deus, a gente vai conseguir alcançar.”
Sobre o jogo contra o Aucas
” Antes do Aucas, temos dois jogos difíceis pelo Brasileiro, contra Bragantino e Santos. Acho que a gente pensa no dia a dia e jogo por jogo. Eu costumo falar que Libertadores é um campeonato diferente do Campeonato Brasileiro, da Copa do Brasil. É um jogo diferente, é um jogo mais pegado, um jogo mais truncado. Pegar uma equipe equatoriana, que lá deu uma primeira dificuldade para a gente e conseguiu ganhar o jogo. Agora, a gente, diante do nosso torcedor, pode apresentar o nosso melhor futebol e buscar aquilo que a gente almeja, que são os três pontos e a classificação geral da libertadores, alcançar o mais alto possível.”
Liderança e contato com a torcida
” Não é que eu sou o cara que bota a cara e o outro não bota a cara. Isso é do perfil. A Nação merece ter uma satisfação, tanto dos bons momentos quanto dos ruins. Eu carrego comigo que os momentos são passageiros. Independente do momento vai passar. A satisfação tem que ocorrer sim. Eu gosto. Não vejo problema nenhum. Eu sei me expressar, sei pontuar as coisas quando devem ser pontuadas e quando não devem.”
” Eu fico grato pelo carinho, pelo pela forma que os torcedores me abraçam desde quando eu cheguei. Você vem um pouco desconhecido de um clube para o Flamengo, e muitas vezes as pessoas perguntam como chegou até aqui… Com muito trabalho. E com muito trabalho também consegui fazê-los me conhecerem e entenderem realmente o jogador que sou.”
” Sou um cara que muita das vezes gosto de me posicionar. Tenho esse perfil de liderança. Sempre ouvi isso desde quando eu tinha 16 anos de idade. Algumas vezes, pode estar um pouco guardado dentro de mim, mas o princípio básico da liderança é você saber se posicionar no momento e como se posicionar. Não é simplesmente você ser um líder, ser líder de um elenco, até dentro de casa… É muito difícil. E o princípio básico é você saber se posicionar em todos os momentos, seja ele bom ou ruim. Tenho esse perfil e espero cada dia mais poder botar isso mais para fora, que não fique guardado dentro de mim.”
Retirado de: Globo Esporte
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