Futebol é um jogo em que se usa a cabeça para executar com os pés. A definição pode até soar complexa para alguns, mas para entender melhor basta ver Filipe Luís em campo. Ou para ser mais preciso: ver o que Filipe Luís fez para que o Flamengo largasse na frente do Grêmio na semifinal da Copa do Brasil.
O desfalque de Ayrton Lucas em cima da hora por conta de problemas no joelho pode até ter assustado os torcedores. Mal sabiam eles que estava ali a solução para o time de Jorge Sampaoli dominar o rival em Porto Alegre e encontrar alternativas após um início de jogo tenso onde os gremistas subiram a marcação e dificultaram a saída de bola curta do Flamengo.
No auge do caos da pressão imposta pelos gremistas, fosse pelo apetite na marcação lá em cima, a partir da entrada da área, fosse pelo ambiente da Arena, foi Filipe Luís quem usou a sobriedade que lhe é habitual para trazer calmaria ao jogo. Se a saída por dentro não estava fácil com Thiago Maia e Victor Hugo, como ficou evidente em lance onde Matheus Cunha errou passe forçado e teve que se redimir com grande defesa, o lateral assumiu a responsabilidade.
Aberto em seu setor ou com a já conhecida movimentação por dentro, Filipe se apresentou para desafogar os zagueiros e o goleiro, e o Flamengo trocou a saída longa buscando Bruno Henrique pelo passe curto tão desejado por seu treinador. Mais do que isso: o time passou a se aproximar, trocar passes, e sair da pressão gremista com controle do jogo e verticalidade.
Que me desculpe Jorge Sampaoli por sua autoralidade (mais do que justa na noite de quarta-feira), mas o Flamengo em alguns momentos teve mais cara do time marcante de Jorge Jesus. Os passes laterais e pacientes habituais do argentino deram lugar a um jogo vertical que o português apelidou de “à lá Flamengo” e a história da semifinal virou.
A partir da metade do segundo tempo, o Flamengo avançava como uma avalanche para cima do Grêmio e, por méritos, abriu o placar. Não por acaso, com a dupla Bruno Henrique e Gabigol – nada mais 2019 do que isso. O garoto Wesley, que amadurece a cada partida, conduziu por dentro e serviu o camisa 27 para achar o companheiro na área em toque de primeira.
A essa altura, o Grêmio corria, corria, corria e pouco produzia. A sobriedade de Filipe Luís indicou caminhos para o Flamengo reencontrar seu DNA e assumir as rédeas da partida. O pênalti perdido por Gabriel ainda antes do intervalo daria contornos mais justos ao domínio crescente rubro-negro.
Na volta do intervalo, o ímpeto do Grêmio se tornou um aliado do Flamengo. A medida que os gaúchos eram mais transpiração, os cariocas tinham inspiração e por bons minutos o perde-pressiona resultou em blitz no campo de ataque até Kannemann ser expulso aos 14, tornando ainda maior o domínio rubro-negro.
Com Ferreirinha em campo, Renato até apostou em espetadas perigosas de contra-ataque, mas a noite da dupla Fabrício Bruno (impecável) e Léo Pereira era especial ao ponto de Matheus Cunha sequer ser exigido. O espaço por ter um homem a mais foi bem aproveitado, e boa troca de passes pelo lado esquerdo permitiu que Thiago Maia recebesse livre de Arrascaeta na área para fazer o segundo.
Os 65% de posse de bola, com 14 finalizações e seis na direção do gol ajudam a explicar o tamanho do domínio de um Flamengo que ainda teve chances de ampliar com Pedro na reta final. Tudo graças a virada de chave promovida por Filipe Luís quando o time se viu pressionado.
Afinal, futebol é um jogo em que se usa a cabeça para executar com os pés. E o lateral tornou isso didático contra o Grêmio.
Retirado de: Globo Esporte
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