F1

Ele ficou traumatizado por ter ‘causado’ o acidente que matou Ayrton Senna

Relatos de Charlie Whiting e Max Angelelli revelam o desespero vivido no safety car durante os momentos que antecederam o acidente fatal de Senna em Ímola, em 1994

A morte de Ayrton Senna, uma das maiores lendas da Fórmula 1, em Ímola, no dia 1º de maio de 1994, foi analisada em inúmeros detalhes ao longo dos últimos 30 anos. No entanto, um aspecto menos discutido e pouco conhecido dessa tragédia é a sensação de impotência experimentada por aqueles que estavam no safety car, que liderava o pelotão da Fórmula 1 durante o fatídico Grande Prêmio de San Marino.

Naquele dia, o safety car era um Opel Vectra, um veículo de potência limitada e, em última análise, inadequado para liderar os carros de Fórmula 1. O piloto do safety car era Max Angelelli, e ao seu lado estava Charlie Whiting, que na época atuava como delegado técnico da FIA. Ambos se viram numa situação de desespero enquanto tentavam, sem sucesso, manter um ritmo compatível com os velozes carros da categoria.

Charlie Whiting, que faleceu em 2019, compartilhou suas memórias daqueles momentos em uma entrevista para o filme sobre Max Mosley, ex-presidente da Federação Internacional de Automobilismo. Ele relembrou com clareza os minutos que antecederam a tragédia:

“Eu era o observador no safety car,” contou Whiting. “Houve um acidente na largada, envolvendo Pedro Lamy e JJ Lehto, e o safety car foi acionado. Senna estava liderando. Me lembro como se fosse ontem. Estávamos entrando na chicane superior e Senna ficou ao lado do nosso carro. Ele levantou a viseira e dizia: ‘Mais rápido, mais rápido!’. Mas nós simplesmente não podíamos. Era impossível ir mais rápido. Os freios estavam quentes, dava para sentir o cheiro, e o piloto estava dando o máximo de si naquele carro.”

Apesar das tentativas de Senna de acelerar o ritmo, o Opel Vectra, com seus 204 cavalos de potência e 1.350 kg, era incapaz de acompanhar os carros de Fórmula 1. Pouco após o safety car sair de pista, Senna sofreu o acidente fatal que chocou o mundo.

Max Angelelli compartilhou seu desespero ao perceber que o safety car não estava à altura da tarefa. “Quando me mostraram o carro [de segurança], meu sangue gelou. Ele não era adequado para correr na frente do pelotão da F1. Fui até Charlie e expliquei a ele minhas dúvidas — que o carro não era potente o suficiente e, acima de tudo, não tinha um sistema de freios adequado para uso na pista.”

Angelelli levou o Opel para dar algumas voltas de treino, e suas preocupações aumentaram. “Foi um verdadeiro desastre. Nas duas descidas [da Acque Minerali e Rivazza], você precisava de uma ‘âncora’ para parar. No final da segunda volta, os freios superaqueceram e o pedal ficou esponjoso, o que aumentou as distâncias de frenagem. Eu estava preocupado, mas vi que meu medo não provocou nenhuma reação [nos outros].”

Desesperado, Angelelli buscou alternativas e encontrou uma solução potencial no paddock da Porsche Super Cup. “Fiquei orgulhoso e comecei a transferir as letras do safety e a câmera para o Porsche. Mas quando tudo estava pronto, sábado de manhã, eles me explicaram que eu não poderia usar o 911. Eu ainda era jovem e obviamente não entendia certas dinâmicas. Havia acordos comerciais que eu desconhecia. Para mim, simplesmente, o Opel Vectra não era adequado para ser o carro de segurança, então procurei um carro mais adequado, que era o Porsche.”

Infelizmente, ele foi forçado a remontar o Vectra, percebendo que a situação poderia se transformar em um pesadelo.

Quando chamado para ação, Angelelli mal teve tempo de se preparar, entrando em pista sem o capacete de proteção. “Tudo aconteceu de repente,” lembrou ele. “Eu não estava pronto, no sentido de que não havia colocado a parte superior do traje à prova de fogo e não havia colocado o capacete, que foi colocado no banco traseiro.”

Apesar de todos os seus esforços, Angelelli sabia que o carro não seria capaz de manter o ritmo adequado. “Eu sabia que os freios não aguentariam mais do que algumas voltas, então tentei ser conservador ao frear. Ao acelerar, pressionei o pedal do acelerador com tanta força que poderia ter feito um buraco no assoalho.”

Embora a velocidade do safety car tenha sido descartada como um fator no acidente de Senna, Angelelli ainda carrega o peso emocional daquele dia. “Trinta anos se passaram. Talvez eu não me lembre de todos os detalhes daquele dia maldito, mas me lembro das emoções profundas e das cicatrizes que ele me deixou.Ver o maior piloto da história vir ao meu lado e bater o punho para me dizer para ir mais rápido me fez sentir pequeno. Eu queria desaparecer, nunca ter nascido.”

Angelelli concluiu refletindo sobre o impacto de tudo aquilo: “Para mim, foi terrível: parecia que ele estava falando comigo do cockpit da Williams, tão clara era a mensagem que ele estava me enviando. Saí da pista quase me sentindo culpado. Foi terrível. As palavras de Morbidelli foram reconfortantes, mas não deixaram minha consciência em paz. Mas depois de três décadas, as feridas profundas da alma foram lentamente curadas.”

Lucas Barros

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